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O pernilongo que criava caso por não estar de quarentena

Estou em casa, de quarentena imposta pelo governo de Brasília, há exatamente 15 dias. Para ocupar meu tempo, tomei a decisão de que esses seriam dias produtivos. Primeiramente, determinei-me a executar tarefas de cunho intelectual, tais como: leitura e estudo, combinados com exercícios físicos para manter a forma.

Entretanto, ontem, dia 2 de abril, ao olhar a grama que deveria cobrir o quintal e os jardins da minha casa, percebi que, além de estar alta, encontrava-se tomada por ervas daninhas, conferindo-lhe um aspecto de desleixo.

Em tempos de coronavírus, lembrando que a última coisa que eu desejava era ir para a frente da televisão e me expor ao bombardeio midiático sobre a epidemia, resolvi limpar e podar o gramado, evitando, assim, que o jardineiro — pessoa que eu não saberia afirmar se tomou os cuidados necessários para não estar contaminado pelo vírus — viesse a ter contato com minha família.

A tarefa, que me parecia fácil, mostrou-se tão trabalhosa que, meia hora depois de iniciá-la, o suor já tomava conta do meu corpo, e as dores na coluna se fizeram presentes. Duas horas depois, desejei ter mandado o medo da contaminação às favas e prometi a mim mesmo que jamais subestimaria o trabalho do jardineiro. Mas, teimosamente, concluí cinquenta por cento do serviço.

À noite, sentia-me cansado e deduzi que pegaria no sono facilmente. Às 23h30, preparei-me para dormir e me deitei, apesar do forte calor que inundava o quarto. Quarenta minutos depois — pois conferi a hora no relógio ao lado da cama — um forte zumbido me despertou do leve sono em que me encontrava, produzido por uma nefasta criatura chamada pernilongo (pelo menos é assim que ele é conhecido em Brasília), um renitente e perverso inseto chupador de sangue e “zumbidor” implacável, com predileção por nossas áreas de audição, conhecidas como orelhas e ouvidos.

Ao primeiro sinal do zumbido, desferi um tapa a esmo e, esperando tê-lo acertado, tentei voltar ao sonho que estava tendo antes de ser interrompido. Poucos minutos depois, o zumbido retornou, me atormentando, e eu voltei a distribuir tapas a torto e a direito. Como os tapas não atingiram a infeliz criatura, permanecemos nessa “brincadeira” por quase três horas, até que um dos meus golpes atingiu a cabeça da minha esposa, que, sem cerimônias, revidou com uma violenta cotovelada nas minhas costelas e ainda ordenou que eu me levantasse e fosse à caça do maldito pernilongo.

Levantei-me e fui buscar a arma necessária para deter o inseto: uma potente raquete elétrica, alimentada a pilha, capaz de fritá-lo, literalmente. Antes de relatar os acontecimentos que se seguiram, vou dar uma explicação sobre o zumbido: tudo é causado pelo bater de asas dos pernilongos. O zumbido é resultado da alta frequência do batimento das asas, que, dependendo da espécie, pode chegar a mil movimentos por segundo.

Fiquei uns 15 minutos tentando encontrar o pernilongo, sem sucesso. Para quem não sabe, esses bichinhos possuem uma inteligência ímpar: à menor presença de luz, eles se escondem e, do canto onde estão, esperam você desistir e apagar a luz, para voltar à carga zumbidora. No entanto, sou um caçador determinado e insisti até encontrá-lo pousado sobre a cômoda escura do meu quarto. Peguei a raquete e “Ziiisss”, fritei o malvado.

Meia hora depois (5h30 da manhã), os zumbidos voltaram. Levantei-me novamente e descobri que, pelo menos, dois de seus parentes queriam vingar o pernilongo que matei. Então, tomei uma atitude radical: desci para o meu escritório, liguei o computador e escrevi a crônica que vocês estão lendo.

*Crônica que remonta ao período da pandemia da Covid

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