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Sindemia global

Obesidade, desnutrição e clima, tudo a ver

Publicado

Autor/Imagem:
Juliana Carreiro

Você sabe o que significa o termo ‘Sindemia Global?’ Ele trata da coexistência de três pandemias: obesidade, desnutrição e mudanças climáticas, que interagem umas com as outras, têm causas em comum, e, por conta disso, devem ser combatidas conjuntamente, e com urgência, por todo o mundo. Começando pelo reconhecimento do papel nocivo das grandes empresas alimentícias, fabricantes de produtos ultraprocessados, sobre a saúde da população e do planeta e cobrando uma postura mais rigorosa dos governantes de todos os países, em relação à atuação delas.

Estas informações compõem o relatório The Global Syndemic of Obesity, Undernutrition, and Climate Change (“A Sindemia Global de Obesidade, Desnutrição e Mudanças Climáticas”), elaborado pelo periódico The Lancet. Os resultados de um projeto de três anos liderado por 26 especialistas de 14 países foi lançado na Conferência PMAC 2019 – A Economia Política das DCNTs: Uma Abordagem de Toda Sociedade, realizada na Tailândia, que trata das doenças crônicas não-transmissíveis. A publicação coloca a má alimentação e seus efeitos entre os principais problemas de saúde pública mundiais e associa os métodos utilizados pelas grandes culturas de alimentos com a piora das mudanças no clima.,

De acordo com a socióloga Paula Johns: “É fato que os principais sistemas alimentares em voga atualmente não são favoráveis à saúde, mas sim aos lucros das grandes corporações do setor, especialmente fabricantes de produtos ultraprocessados, cujo consumo é uma das principais causas de todas as formas de má nutrição. Entretanto, lobby pesado e outras estratégias, como a tentativa de influenciar a opinião pública com o financiamento de pesquisas cujos resultados buscam eximi-las de responsabilidade sobre danos causados à saúde da população, são usados por empresas de alimentação e bebidas para garantir que seus interesses comerciais prevaleçam, em detrimento de políticas públicas promotoras da alimentação adequada e saudável”.

Paula é membro do Comitê gestor da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, conjunto de organizações da sociedade civil que busca desenvolver e fortalecer ações coletivas para contribuir com a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada, por meio do avanço em políticas públicas. A Aliança já vinha abordado esta relação nociva com a campanha Tributo Saudável, que alerta para o fato de que ‘grandes empresas do setor de bebidas açucaradas se aproveitam de benefícios da Zona Franca de Manaus para receber subsídios fiscais. Isso vai totalmente contra as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que destaca que produtos não saudáveis como os refrigerantes devem ter seus tributos aumentados, para desencorajar o seu consumo e preservar a saúde. Tentativas de reverter essa situação, entretanto, esbarram sempre nas estratégias corporativas: lobby, disseminação de informações enganosas e pressão comercial por parte da indústria’, é o que conclui a organização.

De acordo com o relatório, o sistema agroalimentar global é um dos principais fatores que contribuem para a sindemia. É responsável por quase um terço de todas as emissões de gases de efeito estufa e está causando um rápido desmatamento, degradação do solo e perda massiva de biodiversidade. Os métodos mais praticados no mundo priorizam a produção massiva de alimentos que funcionam como base para a indústria como trigo, soja e milho, demandando muitos recursos naturais, empobrecendo o solo e prejudicando a qualidade nutricional dos demais alimentos produzidos, como frutas e vegetais. As vertentes que prezam por esta qualidade, como as plantações orgânicas, têm um ganho de escala menor do que aquelas feitas com agrotóxicos e os produtos, que são mais saudáveis, tendem a ser mais caros, pois não recebem os mesmos subsídios governamentais do que os produzidos pelas empresas transnacionais.

Enquanto isso, os alimentos ultraprocessados, que quase não possuem nutrientes e são bastantes nocivos, têm os preços mais baixos do mercado. O baixo consumo de nutrientes essenciais para o organismo já é a principal causa das Doenças Crônicas Não Trasmissíveis, responsáveis por mais de 70% das causa de morte em todo o planeta.

O documento foca em três grandes ações que podem colaborar com a melhora da sindemia: reduzir o consumo de carne vermelha e laticínios, por meio de mudanças nos impostos e subsídios, rotulagem e marketing social, para melhorar a qualidade da alimentação, reduzindo o risco de doenças, fornecendo mais terras para uma agricultura eficiente e sustentável e reduzindo as emissões de gases de efeito estufa. Criar uma ampla gama de políticas públicas necessárias para melhorar a disponibilidade e o acesso de alimentos saudáveis e reduzir a pobreza e as desigualdades. E estabelecer diretrizes alimentares sustentáveis ​​para promover opções mais saudáveis, apoiar a amamentação e a educação alimentar e diminuir a demanda por opções alimentares insustentáveis.

Para que as ações propostas possam ser realizadas, os pesquisadores propõem a criação de uma Convenção-Quadro sobre Sistemas Alimentares (FCFS) – um tratado global para promover uma alimentação saudável ​​e a produção sustentável de alimentos. A ideia é fortalecer os estados contra as corporações transnacionais de alimentos e assegurar uma ação abrangente para enfrentar a sindemia global. O relatório sugere que esta convenção siga o modelo da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), um tratado internacional legalmente vinculante, com diretrizes e recomendações claras e eficazes, que ressalta a importância de impedir que a indústria interfira na elaboração de políticas de saúde pública.

De acordo com Paula Johns: “A adoção de um tratado como a CQCT poderia impulsionar a adoção de políticas mais favoráveis à saúde e nutrição, e não há mais tempo a perder. Ações urgentes são necessárias para enfrentar essa sindemia. Já existem dezenas de recomendações e relatórios que mostram isso, e agora é hora de agir. Precisamos de fato mudar o modelo de negócios atual, que não incorpora as externalidades, como os prejuízos causados para os sistemas de saúde, no preço de produtos não saudáveis. Precisamos, urgentemente, acabar com os subsídios para coisas que fazem mal para saúde e para o meio ambiente. Os sistemas alimentares atuais foram criados por pessoas, então nós, como população, somos capazes fazer as mudanças necessárias”.

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