Em pouco mais de dez meses, o interventor federal na segurança do Rio, general Walter Braga Netto, poderá “estancar o descontrole” no setor e lançar bases para uma reestruturação mais significativa a médio e longo prazo, dizem especialistas ouvidos pelo Estado. Mas a opinião não é unânime. Há quem acredite que a decisão de intervir no Rio não será eficaz em nenhum aspecto nem deixará legado.
Na lista do que especialistas acreditam ser exequível até o fim do ano, quando a intervenção chegará ao fim, está recuperar a capacidade operacional das polícias, com manutenção de viaturas e armas. Outras tarefas possíveis são melhorar a gestão das corporações, para reduzir a influência política; e estruturar um plano de segurança que possa ser abraçado pelo futuro governador
Ex-secretário de Segurança do Distrito Federal e professor da Universidade de Brasília (UnB), Arthur Trindade diz que, em termos de implementação de políticas públicas, dez meses é pouco tempo. É possível, porém, caminhar para resolver problemas emergenciais.
“A curto prazo, há de se recuperar o poder operacional das polícias, coisa que o general está fazendo. A PM tem metade das suas viaturas encostadas. A intervenção poderá permitir que se use recursos federais para colocar essa frota para rodar novamente, além de retomar contratos de manutenção.”
Segundo Trindade, apesar das tentativas anteriores de usar dinheiro federal para esse tipo de custeio, a legislação barrava Isso acabou alterado com o novo decreto de intervenção.
Na reserva da PM fluminense e presidente da Associação de Oficiais, o coronel Carlos Fernando Ferreira Belo pede foco para os problemas estruturais da corporação. “O efetivo está bastante defasado e necessitado de armamento, munição e colete balístico ” Belo cita ainda a necessidade de se pagar o 13.º salário da tropa, que está pendente. “Ainda que tenha vindo de forma tardia, esperamos e confiamos que a intervenção terá o pensamento positivo voltado para atender a essas demandas.”
Outro que demonstra entusiasmo com a possibilidade de mudança é o fundador da ONG Viva Rio, Rubem César Fernandes. Para ele, o mérito da iniciativa é “reverter a tendência negativa”. “A intervenção tem o potencial de ser catalisadora de recursos, forças e opiniões positivas. Mas ela só será bem sucedida se conseguir criar um ambiente que levante nossos olhos mais para frente, pensando também nos próximos cinco e dez anos.”
Para Fernandes, é fundamental que até dezembro as autoridades das Forças Armadas abram caminho para uma política de segurança “distante de um ambiente de descontrole.”
“É muito importante que a intervenção passe a noção de que é possível fazer segurança respeitando os direitos coletivos e individuais das pessoas. Estávamos na regra do descalabro, com violência para todo lado.”
Para Trindade, no entanto, não basta que a gestão atue focada no “planejamento operacional de emprego de policiamento”, ou seja, se preocupe apenas com a região em que os policiais vão atuar e o tipo de operações vão desempenhar.
O professor destaca a importância de haver um plano de atuação mais amplo, com definição de responsabilidades de cada ente da área. “O interventor poderia puxar para si essa responsabilidade, constituindo um grupo de trabalho suprapartidário e elaborar um plano”, diz. “No Rio, já se tentou de tudo: acordos tácitos com o crime organizado, UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), operações, Exército. Mas não se tentou um plano que não seja um Power Point.”
Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entidade que reúne pesquisadores da área e policiais, diz que o primeiro feito é afetar positivamente a sensação de segurança. Para ser eficaz, além de colocar viaturas nas ruas, diz, os interventores deverão definir regras claras de gestão para as duas polícias, “terminando com as indicações políticas e o desvio de efetivo para tribunais”. “Se isso for feito, com a definição de indicadores de desempenho e regras claras para concurso interno, mudaria a forma como a segurança pública é feita no Estado”, diz ele. Lima acredita que o interventor Braga Netto tem a força necessária para dizer “não” a políticos. Mas, de acordo com ele, isso não basta. O especialista destaca a necessidade de definir critérios de escolha dos comandantes.
Discordância – Nem todos acreditam em melhorias. O pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) João Trajano Sento-Sé classifica a intervenção como “um desastre”. “Ações como essas consomem muitos recursos sem promover nenhum impacto na segurança do Estado. A curto prazo, talvez haja melhoria na sensação de segurança, mas isso é curto e por si só não justifica a medida. Do ponto de vista das populações mais vulneráveis, a intervenção é desastrosa.”
Para ele, em dez meses dá para lançar eventuais bases de um programa de cooperação entre as polícias federais e estaduais. “Isso nunca foi tentado, sempre foi negligenciado. Somos reféns da repetição do mesmo.”