Renée Pereira
A crescente onda de rejeição vivida pela Odebrecht no mercado internacional põe em risco contratos de quase US$ 16 bilhões (cerca de 50 bilhões de reais) em projetos conquistados nos últimos anos. Até setembro de 2016, dois terços da carteira de obras da empreiteira tinham origem lá fora, em países como Venezuela, Angola e Panamá. Juntos, esses três países tinham mais obras contratadas com a empresa do que o Brasil
Embora esteja presente no exterior desde a década de 1970, a política de expansão da Odebrecht para além das fronteiras brasileiras ganhou força nos anos 2000, com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à internacionalização das construtoras. Além disso, nessa época, a empresa já era reconhecida pelo alto poder financeiro e know-how – leia-se certificações – para construir quase todo tipo de obra, o que colocava a brasileira um degrau acima dos demais concorrentes.
Mas, com a Operação Lava Jato, os contratos no mercado externo começam a se perder. Desde que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) divulgou os dados sobre pagamento de propina da Odebrecht em cada país, a participação que antes era comemorada virou foco de turbulência e preocupação. Alguns países já ameaçaram expulsar a empresa de seus territórios e cancelaram contratos bilionários, como foi o caso do Gasoduto Sul Peruano e a concessão para construir 528 km de estrada na Colômbia.
As decisões têm efeito duplo para a empreiteira e para o grupo. Além de perder a concessão, que representa um contrato de longo prazo para administrar um ativo, a empresa também perde a obra, que rende bilhões de dólares de receita para ela. No caso do gasoduto, no Peru, a construção do projeto representava 10% da carteira de obras da empresa, afirma o analista da agência de classificação de risco Fitch Ratings, Alexandre Garcia. O mesmo deve ocorrer com a rodovia na Colômbia, já que a concessão garantia contrato de construção de mais de 500 km de estrada.
A revolta no exterior tem ocorrido simultaneamente à tentativa de fechamento de acordos de leniência da empresa com os ministérios públicos locais. A esperança é que, com os acordos e a definição das multas, a empresa mantenha outros contratos importantes. Até agora, há pré-contratos firmados com Panamá, República Dominicana, Peru e Colômbia. Os demais países ainda estão em fase preliminar e há aqueles que nem têm interesse de iniciar algum processo de delação.
Por ora, a empresa está proibida de participar de novas licitações em três países: Panamá, Peru e Equador. Nada garante, no entanto, que outras nações façam embargos semelhantes até que a poeira comece a baixar. Nos Estados Unidos, embora não haja denúncia de pagamento de propina, a ação do DoJ exigiu um acordo e estabelecimento de multa. A empresa toca obras de modernização no Aeroporto Internacional de Miami, de uma rodovia no Texas e construções na Louisiana.
Liquidez – A situação no exterior é bastante desconfortável, uma vez que a construtora tem ajudado a bancar a liquidez do grupo. Segundo relatório da Fitch Ratings, entre setembro de 2015 e setembro de 2016, a empreiteira teve de fazer aporte de US$ 350 milhões na controladora por causa das dificuldades para captar recursos no mercado.
A empresa está queimando caixa e não tem conseguido repor o portfólio. Outro fato preocupante é que, além de perder contratos por causa do pagamento de propina, a qualidade da carteira tem se deteriorado. Os melhores projetos estão sendo concluídos e o que tem ficado no portfólio está parado ou em ritmo muito lento.
A Fitch Ratings estima que 42% da carteira da Odebrecht levaria, em média, 19 anos para ser concluída considerando o ritmo atual. Há casos piores, no entanto. Na Venezuela, que detém 24% da carteira da companhia, a empresa poderia levar de 15 a 50 anos para concluir as obras – em outras palavras, isso significa redução de receita.
Alexandre Garcia, da agência de rating, afirma que, além de todos os problemas por causa do escândalo de corrupção, a empresa tem enfrentado situações adversas no exterior que têm interferido n as obras. Uma delas é a queda no preço do petróleo, que afeta clientes importantes. “Esse fator prejudica o fluxo de obras em andamento e de novos projetos, como na Venezuela”, diz o analista. Segundo ele, se o cenário não melhorar, a carteira de obras pode cair dos atuais US$ 21 bilhões para algo em torno de US$ 9 bilhões.
Retorno – Em nota, a empresa afirma acreditar que conseguirá manter os contratos e estar livre para conquistar novos projetos, assim que consiga firmar acordos de leniência nos países. “Os acordos também facilitarão a obtenção de empréstimos para execução das obras.