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Ódio que esfola é o mesmo que mata na política

Enraizado na política brasileira de anteontem, de ontem e de hoje, o ódio gera dores na alma, inimizades, câncer no fígado e, principalmente, desencanto nos eleitores. Difícil não ter certeza de que são todos iguais. Absolutamente iguais. Muito pior do que o ódio, a forma odiosa de fazer política fulaniza os de má índole, que deixam de assumir seus erros ou os do coletivo, preferindo culpar quem não tem mais tribuna para se defender. Posso estar equivocado – na verdade gostaria de estar -, mas foi assim que avaliei os discursos dos novos chefes do Congresso, notadamente o do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), durante a sessão de instalação do ano legislativo. Tem gente que, esquecendo que o ódio é uma via de mão dupla, avaliou de outra forma. É do jogo democrático.

Aproveitando a presença do chefe do Executivo federal, financiador das campanhas vitoriosas às presidências da Câmara e do Senado, Pacheco e o deputado Arthur Lira (PP-AL) divulgaram um comunicado colocando como prioridade do Legislativo a garantia de recursos para acelerar a imunização dos brasileiros, que já somam 9.339.420 infectados e 227.563 mortos. Perdão pelo sincericídio, mas é impossível aceitar essa tentativa de criminalização do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), ex-presidente da Câmara, por uma suposta omissão contra o povo sedento pela vacina contra o vírus.

Tenho numerosas restrições ao filho do ex-prefeito e vereador César Maia, mas crime é esquecer deliberadamente que Maia cobrou à exaustão por medidas do governo, criticou o presidente da República pelas críticas à CoronaVac chinesa e, do microfone da Mesa Diretora da Câmara, pediu ações conjuntas do Legislativo, Executivo e Judiciário para amenizar a dor e o bolso do povo. É mentira? Chequem o noticiário dos últimos meses ou, se tiverem tempo, pesquisem os discursos de suas excelências. Não lerão um sequer de Rodrigo Pacheco ou de Arthur Lira em defesa da sociedade ou contra a Covid-19. Infelizmente, eles ainda não aprenderam que nem sempre o ataque é a melhor defesa. Os eleitores de hoje conseguem ler as entrelinhas.

Na hipótese de omissão dos comandados de Rodrigo Maia – ou do próprio -, Pacheco e Lira, como parlamentares antigos, poderiam ter denunciado o oponente ou, no mínimo, tomado as rédeas e proposto ajuda das forças de segurança para garantir imunização em massa. Se houve erro, tenham certeza, novos chefes do Congresso, que vocês não serão esquecidos pela sociedade. Como disse Jair Bolsonaro aos oposicionistas, nos veremos em 2022. Aos que realmente acreditam na pureza de gestos de Arthur Lira só um lembrete: não esqueçam o convescote que ele patrocinou para apaniguados após a vitória de segunda-feira. A graça da festinha regada a muita champanhe foi a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP). Ex-bolsonarista e eleitora assumida do emedebista Baleia Rossi, ela foi flagrada esbanjando alegria. Não são todos iguais?

Gravadas e liberadas nas redes sociais sem censura prévia, as imagens da festa seriam somente um acinte ao nosso bom viver não fossem avaliadas como a confirmação do cinismo de nossas autoridades com a pandemia. Com participação do general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo, e elaboradas por um numeroso grupo de homens e mulheres aglomerados e sem máscaras – cerca de 300 convidados -, as coreografias soavam como descaramento de um grupo que está se lixando para os quase 230 mil óbitos registrados no Brasil desde a chegada do vírus. Claro que não é proibido comemorar. Proibido é achincalhar a crise sanitária, fazer pouco caso do povo e esculhambar com as preocupações dos médicos infectologistas, que temem pela superlotação dos hospitais que tratam da doença.

Certamente é indiferente para aqueles que desviam do objetivo providencial a preciosa faculdade que lhes foi concedida. Também soará bem para a maioria fisiológica que se recusa a utilizar o mandato em benefício dos outros. O problema é que esses se surpreendem quando são adjetivados de figuras estéreis, ocas e inúteis para a sociedade. Como um cala boca fora de hora, no dia seguinte ao convescote genocida do Centrão, os novos chefes da Câmara e do Senado divulgaram o comunicado priorizando a imunização. Parecia uma ação entre amigos, definida para cobrir um mal feito.

Qual seria esse mal feito? A inércia do governo, que, além de minimizar a Covid-19, agiu e age sem a necessária agilidade para evitar os cerca de mil óbitos diários. Além do oba oba dos discursos e das entrevistas, Jair Bolsonaro, o senador Rodrigo Pacheco e Arthur Lira tentaram mostrar uma harmonia que será testada quando da liberação das primeiras emendas, ou seja, quando o din din acertado começar a cair nas contas dos parlamentares. Haverá muita chiadeira se falta um centavo do total combinado. Pior foi o presidente dizer, com ares de vitória antecipada, que aguarda a oposição em 2022. Apesar disso, sem escrúpulos e canalha é a imprensa que divulga tal aberração. Será? Como diziam meus velhos pai e avô, tenham medo dos que se sublimam e fujam correndo daqueles que se enaltecem e se glorificam publicamente.

*Wenceslau Araújo é jornalista

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