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Subserviência explícita

Olavo, antes de morrer, bem definiu complexo de vira-lata do brasileiro

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Autor/Imagem:
Armando Cardoso* - Foto de Arquivo/ABr

Triste de um país em que parte de seu povo, natural e explicitamente estimulada por políticos sem bússola e líderes sem escrúpulos, prefere a idolatria e a subserviência ao patriotismo honesto e verdadeiro. Pois o Brasil tem vivido esses dois rasos sentimentos desde que um desses recrutas da hipocrisia decidiu endeusar alguém que, no máximo, deveria ser visto como um símbolo de inspiração. O simbolismo desse alguém, cujas divisas chegaram a ensejar uma nova nação, virou poeira e hoje sequer se sustenta nas insígnias que um dia o transformaram em mito. A direita e a esquerda democratas agradecem.

Foi-se o astro, mas ficaram os figurantes. Sem pré-julgamentos, é claro que o direito à liberdade de expressão tem de ser estendido ao da adoração. Pelo menos no Brasil, o problema é que a parte a que me refiro transformou idolatria a um em perseguição a outro. O cúmulo de tudo isso é a caçada não dispensar nem mesmo os que, sem adoração ou por exclusão, preferem (ou já preferiram) o que eles detestam. É o modus vivendi de uma parcela da população brasileira que ama distorcer a visão sobre a realidade. São aqueles que iniciam o estímulo à idolatria pelo espelho.

Para quem nesses últimos anos já viu o ser humano amar a Deus e ao Diabo na mesma oração, narrar a inusitada reunião de adeptos de uma recém-exterminada seita política cantando o Hino Nacional para pneus não agradaria nenhum roteirista de Hollywood. O que talvez gerasse ensaios, documentários opulentos e até longas-metragens é a explícita e destrambelhada submissão de determinados grupos políticos ao novo presidente dos Estados Unidos. Ainda que sem convites, nossas soberbas direita e extrema-direita se imaginaram representando o Brasil na posse do poderoso Donald Trump. O fato de nenhum deles ter entrado no local da solenidade significa que não houve representação alguma.

Ou seja, não passaram de furões e intrusos congelados no meio-fio. Pior do que isso: confirmam nosso complexo de vira-lata, tese que define a inferioridade com a qual nos colocamos diante do resto do mundo. E daí? Eles estavam em Washington, o que prova que a idolatria é uma necessidade humana por admirar o poder e o sucesso. Uma pena, mas é o nome do Brasil e dos brasileiros coerentes colocado no mesmo balaio dos que cada vez mais são capazes de crer em um Deus invisível. Eu não tenho ídolos. Tenho admiração por trabalho, dedicação, honestidade e competência. Por isso, da mesma forma que elogio todos que se antecipam ao pensamento alheio, reconheço a força de Trump na geopolítica mundial. A força, mas não a forma como decide contra os semelhantes.

Aliás, seria bom que o mais corajoso de seus colaboradores tentasse, por meio de um embargo auricular, informá-lo que normalmente a idolatria leva o ser humano ao estado terminal de consciência. Eis a razão pela qual, em todos os cantos do mundo, o povo hoje idolatra um, amanhã qualquer outro. E assim continuam na imbecilidade os idólatras do modismo. Não à toa, a veneração gera subserviência cega, que é a filha predileta da ignorância. Considerando que a subserviência um dia pode virar tumor, sugiro aos aliados brasileiros do trumpismo que repensem o culto à figura do garboso, autocrata e xenófobo presidente republicano. Afinal, foi ele quem os fez passar por um perrengue internacionalmente comentado.

Sempre que puderem, lembrem-se de que Donald Trump não é um Deus. Pelo contrário. Com o poder de que dispõe, o mandatário republicano pode até se autoperdoar, como fez com os vândalos que invadiram e quebraram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021, algo como o nosso 8 de janeiro de 2023. O que Trump não pode esconder é a pecha de primeiro presidente com dívidas elevadas com a Justiça norte-americana, decorrentes de um farto e pesado elenco de falcatruas. Isso é apenas um detalhe para os bajuladores nacionais que lá estiveram e foram literalmente esquecidos na rua. Contraditoriamente, a frase que melhor define o idólatra é do ensaísta Olavo de Carvalho, ainda hoje um prócer do conservadorismo: “O povo brasileiro é o mais covarde, imbecil e subserviente do Universo”. Embora o ignore, assino embaixo.

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*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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