A formiga e o barquinho
Olga, no barco à deriva escapa de naufrágio e vai encontrar sua turma

“Todo abismo é navegável a barquinhos de papel”.
(Desenredo, Guimarães Rosa)
A rigor, não era um abismo. Não para humanos. Não passava de um rodamoinho espremido entre pedras, em um corguinho. Mas para Olga, a formiga, era um abismo sim, e dos cascudos.
Tudo começou quando ela passeava, distraída, em uma folha de papel. De repente, sentiu que a folha era levantada, mexida, remexida, jogando-a de um lado para outro. Não caiu no chão, esbarrava em elevações na folha que, podia jurar, antes não estavam ali, pareciam ter surgido do nada.
Olga escutou um som forte. Menos grave que um trovão de tempestade, porém mais próximo. Olhou para cima e viu que parecia sair do focinho de um grandão pequeno – um riso de criança, diria um observador isento.
Ouviu sons incompreensíveis:
– O barco tá pronto. Vamos colocar no riachinho.
– Vamos, Luisinho.
A formiguinha teve a sensação de se deslocar pelo alto e, depois, de descer lá de cima. Percebeu que a folha em que se encontrava estava na correnteza de um rio caudaloso – o córrego, traduziria o observador. E começou a navegar.
Se Olga fosse portuguesa, e o barquinho de papel estivesse em água salgada, poderia chamar-se de “heroína do mar”, parafraseando o belo hino lusitano. Mas o barco estava em um riacho (de água doce, claro), ela era brasileira de quatro costados e não se considerava absolutamente heroica. Nem mesmo uma audaz navegante – pegando carona em parte do título de um conto de Guimarães Rosa, o estudioso dos barquinhos de papel. Não passava de um bichinho curioso, que se inclinava na borda da folha, quer dizer, do barco, para olhar a paisagem.
“Engraçado, sempre achei que as flores ficassem quietas em seu lugar, só se movendo um pouco com o vento”, pensou a navegante. “Mas não, elas deslizam rápido na margem desse rio”.
Entregue a essas digressões filosóficas sobre a realidade e a aparência das coisas, bem como sobre sua percepção a nossos sentidos, Olga não percebeu o mergulho do barco no rodamoinho assustador. As pedras castigaram a embarcação, que correu o risco de se desfazer. Mas, bem ou mal, confirmando a predição roseana, conseguiu atingir, com sua ilustre passageira, um trecho de águas mansas.
Só que o barco fora seriamente atingido, e ali mesmo, no remanso, começou a se desfazer. “Que bom, tudo está voltando ao normal”, pensou a formiguinha, ao ver a folha retomar seu formato original (embora estivesse ensopada e afundando com rapidez). Olga tratou de deslizar para a água.
Formigas não nadam, mas boiam que é uma beleza. Foi o que fez o bichinho, impulsionando seu corpo com as seis pernas. Subiu pela margem e, já esquecida da viagem e das reflexões sobre a realidade e a aparência do mundo físico, tratou de procurar sua turma.
