Tio Reynado, meu tio-avô, era o único dos irmãos que falava italiano. Não que tenha aprendido com a mãe siciliana, muito menos com o pai calabrês. É que, durante o Estado Novo, era proibido se falar outra língua no país além do português. O irmão da minha avó materna aprendeu com os donos das bancas de jornal, bem como levantava as orelhas para captar as conversas do pai quando recebia os amigos italianos em casa.
Também aprendeu a cantar ópera, talvez para agradar à mamma, fã de Enrico Caruso. Seja como for, carregou esse dom para deleite das futuras gerações, especialmente da minha mãe, sobrinha e afilhada do tenor da família. Dessa forma, a cada encontro, meus ouvidos passaram a apreciar aquela voz, mesmo após as cordas vocais perderem a pujança da juventude. Continuou agradável aos ouvidos, ainda mais porque sempre fui fã do Caruso, muito por conta da mãe da minha mãe.
Além de cantor de ópera, tio Reynaldo era marceneiro afamado no Rio de Janeiro. Tanto é que possuía até clientes ilustres, como um conhecido escritor. E foi justamente por conta de um serviço que meu parente prestou ao famoso literato, que morava em Ipanema, que surgiu o tal diálogo. Aliás, o irmão da minha avó era o único que me chamava de Eduardinho, talvez por eu ter sido o neto mais chegado da sua irmã, que tinha um nome bastante peculiar: Esther Stella. Quem, afinal, se chama assim além da minha avó?
— Eduardinho, duvido que você adivinha quem tirou esse retrato.
— Hum… Vovó?
— Ih, tá mais frio que pé de pinguim.
— Minha mãe?
— E a sua mãe lá sabe tirar retrato?
— Num sei.
— Vai desistir assim fácil?
— Não faço ideia.
— Pense em alguém bem famoso.
— Pelé?
— E por acaso você acha que o Pelé iria tirar um retrato meu?
— Sei lá.
— Pense em alguém menos famoso.
— Hum… O Papa?
— O Papa? E desde quando o Papa é menos famoso que o Pelé?
— Ah, Papa já teve um monte, mas o Pelé…
— É verdade. Não tinha pensado nisso.
Sorrimos por um instante, até que tio Reynaldo voltou a me questionar.
— E então?
— Ah, desisto.
— É um escritor.
— Hum… Drummond? Vinicius?
— Nenhum dos dois.
— Não sei.
— Fernando Sabino!
— Sério?
— Sério!
— Não acredito!
— Tá me chamando de mentiroso, moleque?
— Não é isso. É que é inacreditável.
— Tá mesmo me chamando de mentiroso, né?
— Não!
— Você disse que é inacreditável.
— É modo de falar.
— Hum! Tá bom!
— E por que o Fernando Sabino tirou essa foto sua?
— Ah, tava fazendo um armário pra ele lá no apartamento de Ipanema. Aí, o Fernando, que era muito brincalhão comigo, apontou a câmera pra mim e disse: “Reynaldo, olha o passarinho!”
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