Olho por olho, dente por dente, deixa todo mundo cego e banguela
Publicado
emAs recentes atrocidades que estão cometendo árabes, judeus, cristãos e muçulmanos no Oriente Médio nos lembram os massacres no primeiro século da era cristã, quando os fiéis da nova religião eram sacrificados pelos romanos politeístas, inclusive destruindo o templo de Jerusalém, em 70 d.C.
Mas precisa refletir sobre o fato de que a perseguição promovida pelos Imperadores de Roma não deixou de ser uma resposta aos cristãos da Palestina que foram até à capital da Itália impor o culto de Jesus Cristo como único Deus, desprezando a pluralidade das divindades tradicionais (Júpiter, Vênus, Ísis, Osíris etc.) veneradas pelos povos de cultura greco-romana ou egípcia.
Supõe-se que os habitantes da antiga Itália não se teriam se oposto em colocar mais uma divindade, “o Deus que faltava” (como Fernando Pessoa definiu Cristo), no seu Panteão, o templo que abrigava todos os deuses nacionais e estrangeiros. Este monumento ainda hoje é muito visitado em Roma. Pensando com rigor histórico, os cristãos foram os primeiros a não respeitar a liberdade de culto dos pagãos, ao querer impor apenas seu Deus como único e verdadeiro.
O problema crucial de todas as crenças no sobrenatural é a presunção e a intolerância. Fanáticos de uma religião se sentem na obrigação moral de impor dogmas de fé e de ética, apregoados pelos seus profetas como absolutos, pois inquestionáveis. A meu ver, o que provoca o atraso da humanidade é a crença nas palavras de homens que têm a pretensão de impor doutrinas e normas de vida em nome de um Deus.
Vou tomar, apenas como exemplo, o Apóstolo João, autor do “Apocalipse”, o último livro do Novo Testamento, considerado sagrado pela Igreja Católica. Estava ele desterrado em Patmos, pequena ilha no mar Egeu, na costa da Ásia Menor, por volta do ano 95, quando teria recebido uma revelação (em grego “apocalipse”) de Jesus Cristo, que lhe mostrara a luta entre anjos e demônios e o iminente fim do mundo, pois logo haveria o Juízo Final com a ressurreição dos corpos, a premiação dos bons e a condenação dos maus.
Se os Quatro Cavaleiros do Apocalipse (símbolos da Guerra, Peste, Fome e Morte), cuja chegada foi profetizada como imediata (e já se passaram quase dois milênios sem que o mundo acabasse!), como podemos ainda acreditar que a palavra de João Evangelista seja divina? Na verdade, o livro do Apocalipse pertence a um gênero literário especial, chamado escatológico (em grego “fim dos tempos”), próprio da época de perseguições religiosas. Através de imagens simbólicas, projeta-se a existência de uma vida futura sobrenatural, a fim de consolar ofendidos e deprimidos, infundindo-lhes coragem com a certeza de que a vitória final será dos bons. Trata-se, portanto, de ficção de auto-ajuda e não de verdade divina.
A literatura apocalíptica existe antes e depois do Apóstolo João. O profeta Daniel, do Velho Testamento, figura proeminente da corte de Babilônia, já escrevera sobre visões apocalípticas. No sétimo século d.C, Maomé, considerado o terceiro e último Profeta depois de Moisés e Jesus Cristo, fundou a religião islâmica, estimulado por uma presumida aparição do arcanjo Gabriel. Curiosa é a lenda sobre sua morte: acometido de um mal súbito, no ano de 632, da Cúpula do Rochedo em Jerusalém teria ascendido ao céu envolvido numa nuvem.
É lícito perguntar como isso foi possível se Maomé nunca esteve em Jerusalém e a referida mesquita foi construída pelo califa Abd al-Malik em 669, bem depois da morte do Profeta, portanto. Os crentes de qualquer religião estão propensos a acreditar mais na palavra dos seguidores de profetas do que no fato histórico ou na verdade científica. Pessoalmente, Moisés, Cristo e Maomé não deixaram nada por escrito.
Seria melhor que, em lugar de esperarmos a salvação por parte de divindades ou políticos carismáticos, nos esforçássemos em construir uma democracia fundamentada na justiça social e na ajuda mútua entre cidadãos e nações, pois ninguém pode ser feliz no meio da miséria. A persistente guerra entre o ódio histórico de judeus contra árabes e a Jihad islâmica, que prega a destruição do Estado de Israel, constitui o verdadeiro apocalipse moderno. O preceito bíblico “olho por olho, dente por dente” deixa todo o mundo cego e banguela.
Salvatore D’ Onofrio