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Olímpio, a filha do fazendeiro e a onça de tocaia

Lá pelos idos de 1940, enquanto o mundo guerreava num dos conflitos mais insanos da história da humanidade, Olímpio, rapaz de seus 20 anos, se interessou pela Francisca, filha única do maior fazendeiro da região da futura capital do Brasil. Mas não pense você que naquele tempo era coisa fácil arranjar namorada, pois ainda eram comuns os casamentos arranjados.

Olímpio, que era mais do que pobre, deu uma talagada na garrafa de cachaça e foi ter um dedo de prosa com o futuro sogro. Sem ter dado nem uma palavra sequer com a moça, precisava convencer o fazendeiro a aceitá-lo como genro. Mal pisou na propriedade, o frangote se fez anunciar.

— Dia.

— Dia.

— Olímpio José Pacífico. Vim falar com o seu Faustino.

— O que você quer com o patrão?

— É assunto particular.

O empregado, cara feia, foi avisar o dono do lugar, que mandou trazer a visita até o alpendre.

— Tarde, seu Faustino. Queria dar dois dedos de prosa com o senhor.

O homem olhou o jovem por um instante, até que o chamou para se sentar na poltrona ao lado da sua. Mandou vir café e, somente após servido, permitiu que o silêncio fosse quebrado.

— Qual a sua graça?

— Olímpio José Pacífico, a seu dispor.

— E o que o traz aqui na minha humilde casa?

Olímpio, sem tempo de pensar naquela ironia, tratou logo de desembuchar o motivo da visita. Tremendo que nem vara verde, o rapaz torcia o chapéu de palha nas mãos suadas. Mas, antes que o efeito da pinga passasse, falou o que planejou falar.

— Pois é, seu Faustino, eu vim aqui pedir a mão da sua filha em casamento.

— Olímpio, eu conheço o senhor desde menino. O senhor é filho do finado Libório, pessoa de muita estima. Mas o que o senhor tem a oferecer para minha Francisca? Ela é moça distinta, sabe cozinhar, costurar, bordar, cuidar da casa, toca piano, já está diplomada para casar.
— Seu Faustino, o senhor sabe que não sou homem de posses. A terra que meu pai deixou foi dividida entre os filhos. Tenho algumas galinhas, uns porcos, uma mula trabalhadeira, mas sou homem de muita coragem.

O fazendeiro encarou o rapaz, coçou o queixo e, então, colocou seu ponto de vista.

— Está ótimo, senhor Olímpio. Minha filha nem precisa de coisas materiais. O senhor sabe que sou um homem muito rico e, quando eu fechar os olhos, e Deus me chamar, tudo será da minha amada Francisca. Mas tem um porém.
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— Qual, seu Faustino?

— Pois bem, senhor Olímpio, o senhor sabe que o mundo vai de mal a pior. Viver já não é mais seguro como antigamente. Por isso, quero um cabra de coragem ao lado da Francisca. Enquanto posso, eu garanto a segurança da minha filha. No entanto, senhor Olímpio, o senhor sabe que a vida não nos pertence, não é mesmo?

— É verdade, seu Faustino.

— Para não tomar mais seu tempo, senhor Olímpio, por enquanto faremos o seguinte. Tem uma onça nas redondezas que anda pegando as criações. A tinhosa já pegou dois bezerros meus, mais uns três do vizinho Flaviano. Já ouvi que pegou até forasteiro que passou por aqui e ninguém mais viu.

— Parece que ouvi alguma coisa assim, seu Faustino.
— Então, o senhor sabe que eu e meus meeiros não podermos sair à procura dessa onça sem um cabra de coragem pra valer. Sei que o senhor parece mesmo ser essa pessoa. Vejo pelo seu olhar que coragem não lhe falta.

Coragem até que não faltava no Olímpio, mas o sangue lhe faltou todo. Ele ficou mais branco que uma vela, os lábios roxos, as mãos não paravam de enrolar o chapéu, que pingava de tão molhado pelo suor. O fazendeiro, percebendo aquela tremedeira toda, gritou para a empregada.

— Ô, Maria, traz mais café aqui pra minha visita.

Assim que a mulher serviu a bebida, Olímpio deu um gole longo no café, que lhe queimou a garganta. O rapaz tentou disfarçar, enquanto o pai de Francisca cofiou o bigode. Seja como for, sem aquele gole de café, perigava a visita desabar.

— Está bem, seu Faustino. Que dia vai ser a nossa empreitada? Eu lembrei que tenho que apartar uns bezerros no sítio do seu Lourival.

— Amanhã mesmo. Afinal, não podemos esperar muito ou, então, essa onça pode começar a comer os porcos do senhor.

— Está bem. Amanhã estarei aqui para agarrar essa onça.

Assim que Olímpio foi embora, Faustino sentiu um fedor. Ele olhou para a empregada, que também apertou o nariz.

— Ué, Maria, você pisou em bosta?

— Não, patrão. Nem fui lá fora hoje.

No dia seguinte, Olímpio quase amanheceu na casa do fazendeiro. Casar com Francisca agora era uma questão de honra, não era mais pela fortuna. que ele certamente iria herdar, e muito menos pelo amor, mesmo porque ele nem conhecia a moça direito. Foram duas ou três olhadelas durante a missa de domingo.

— Muito bem, senhor Olímpio, além de corajoso, o senhor é pontual.

O fazendeiro possuía uns cachorros excelentes, que não perdiam o faro nem quando a caça atravessava o rio. E lá foram Faustino, Olímpio e mais três meeiros atrás da onça. No entanto, quando chegaram a determinado lugar, resolveram se separar. Cada um no seu canto e os cachorros latindo cada vez mais alto. A onça estava perto.

Olímpio, cuja coragem parece que havia sumido, resolveu se proteger lá em cima de uma árvore. Ágil que nem macaco-prego, ficou escondido até que foi descoberto pelos cachorros, que latiam em direção à copa. O fazendeiro e os outros homens chegaram e olharam para cima da árvore. O fazendeiro, garrucha na mão, falou quase gritando.

— Muito bem, senhor Olímpio. O senhor me impressionou. O senhor é o homem certo para se casar com a minha filha. O senhor é muito corajoso, quis pegar a onça na unha.

Olímpio, sem entender aquelas palavras, foi despertado pelo rugido da onça em um tronco logo acima. De tão assustado, pulou. Pobre rapaz, os cachorros foram para cima dele. Não se sabe se morreu pela queda ou pelas mordidas que levou.

De tão espantados que Faustino e os meeiros ficaram, trataram de fugir do local. No entanto, no outro dia, retornaram, mas não encontraram o corpo do Olímpio. É quase certo que a onça o tenha devorado.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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