Na feira livre mais animada do bairro, onde os cheiros de frutas, especiarias e temperos se misturavam ao burburinho constante dos feirantes, havia uma figura que se destacava: Dolores, a cigana dos tachos, facas e previsões misteriosas. Com seu lenço colorido e brincos dourados que pareciam refletir o brilho da sua astúcia, ela circulava pela feira com a confiança de quem sabia mais do que deixava transparecer. E talvez, sabia mesmo.
Dolores, ao contrário do que muitos acreditavam, não tinha “poderes místicos” de verdade. A magia dela estava nos olhos atentos e na mente afiada. Cada passo que alguém dava, cada produto que escolhia, revelava segredos que ela transformava em adivinhações certeiras. E, claro, tudo isso servia para oferecer suas mercadorias com o carimbo de “feitiços infalíveis”.
Um dia, ela viu uma senhora franzina comprando ervas medicinais com a expressão de quem não dormia bem há dias. Dolores não perdeu tempo. Assim que a pobre alma se afastou da banca, lá foi a cigana, com uma mão no quadril e a outra segurando um saquinho de incensos.
— Minha querida, vejo que as noites não têm sido generosas com você. A ansiedade está te corroendo, e essa azia? Ah, reflexo de todo esse nervosismo…
A senhora arregalou os olhos, surpresa com a “vidência” de Dolores.
— Como sabe disso?
Dolores apenas lançou um olhar de quem tudo vê, enquanto registrava mentalmente as olheiras profundas e as ervas calmantes que a mulher havia escolhido: hortelã, erva-cidreira e camomila.
— Incensos de lavanda, querida. Eles vão limpar o ambiente, afastar olho gordo e trazer paz. E, por sorte sua, hoje estão numa promoção divina!
Sem hesitar, a senhora levou o pacote, convencida de que Dolores tinha tocado em seus mistérios mais profundos.
Outro dia, um homem robusto e sorridente passeava pela feira, enchendo seu carrinho com pães, carnes e verduras para um vinagrete. O olhar dele parava nos brinquedos de criança, especialmente nas bonecas cor-de-rosa. Foi o suficiente para Dolores agir. Aproximando-se com o charme de quem já sabia de tudo, disse:
— Ah, vejo que está organizando uma festa. Que seu churrasco seja um sucesso, e que a sua pequena tenha um aniversário maravilhoso!
O homem ficou perplexo.
— Como você sabia do aniversário da minha filha?
Dolores lançou um olhar misterioso e, sem perder o ritmo, puxou uma faca brilhante de sua sacola.
— Eu vejo muitas coisas… mas sei de uma coisa que vai tornar seu churrasco impecável: essa faca aqui. Feita no calor do amor e da prosperidade, vai garantir que a carne seja cortada com perfeição!
Mais uma venda garantida, e o homem, ainda chocado, foi embora com um sorriso e uma faca nova.
Ah, mas o verdadeiro espetáculo aconteceu num dia em que Dolores notou um rapaz que não estava interessado em tachos ou facas, mas nos bolsos alheios. Com os olhos de águia, ela o seguiu enquanto ele deslizava uma carteira das mãos de um velhinho e escondia debaixo de umas pedras. O alvoroço logo se espalhou pela feira: carteiras sumindo, pessoas desesperadas. Foi a deixa perfeita para Dolores brilhar.
Pegou um de seus tachos mais reluzentes, encheu o fundo com água e, num teatro digno de aplausos, começou a murmurar palavras que pareciam saídas de um livro de magia. Com os olhos fixos no tacho, declarou:
— Vejo objetos roubados… ali, perto da barraca de bijuterias, debaixo das pedras. E o ladrão… ainda está entre nós!
O jovem, que já estava mais branco que um pedaço de queijo, nem esperou para ver o desfecho. Fugiu tão rápido quanto pôde, deixando para trás as carteiras furtadas. As vítimas, aliviadas, recuperaram seus pertences e, em gratidão, compraram tachos “mágicos”, que Dolores jurou serem perfeitos para preparar grandes banquetes.
— Com esse tacho, querida, você vai fazer feijoadas dignas de reis! — prometeu, com um sorriso travesso.
Seja vendendo incensos para curar o coração, facas para festas ou tachos que prometiam milagres na cozinha, Dolores sabia como conquistar seus clientes. Com o olhar clínico de uma psicóloga e o faro afiado de uma detetive, ela passeava pela feira como uma verdadeira rainha, deixando todos impressionados — e, claro, saindo sempre com mais uma venda garantida. Afinal, quem não confiaria numa cigana que sabia exatamente o que se passava na sua cabeça… ou pelo menos, fazia parecer que sabia?