Luciano Nascimento
Pedro Nascimento, Edição
O Dia da Criança deste ano foi diferente para Pedro Henrique Costa, de 9 anos. Morador da Estrutural, uma das regiões mais pobres do Distrito Federal (DF), o menino jogou pela primeira vez futebol de sabão, brincadeira na qual crianças disputam uma partida em uma quadra com piso inflável, molhada com água e sabão. Ele participou, nesta quinta-feira (12) de ação promovida pela organização não governamental (ONG) Estruturando, que levou diversão, conselhos de saúde e assistência para as crianças da localidade.
“É bem legal essa brincadeira, nunca tinha visto aqui perto”, disse Pedro, enquanto aguardava, ansioso, na fila, uma nova oportunidade para jogar. “Seria melhor se tivesse aquela bola gigante aqui”, sugeriu o menino, fazendo um gesto de abrir os braços.
Pedro está entre os milhares de crianças e adultos residentes na Estrutural que enfrentam no cotidiano a falta de políticas públicas e de condições dignas e as desigualdades que caracterizam a localidade.
O menino contou que jogar futebol de sabão é uma boa maneira de quebrar a rotina. “É bom estar aqui porque a gente passa o dia brincando, em vez de ficar em casa sem fazer nada”. Ele e Gabriel Silva, um amigo que conheceu hoje, discutiam para saber quem fez mais gols. “Eu fiz oito, mas teve um que foi sem querer, a bola bateu na minha perna e, quando caí, entrou”, disse Pedro.
“Eu marquei nove”, rebateu Gabriel. “O legal daqui é que a gente se molha”, resumiu Gabriel, lembrando que o que menos importa é o placar, pois o resultado final é a diversão.
Segundo a arquiteta e cofundadora da Estruturando, Fabiane Pinheiro, de 42 anos, a ação foi uma forma de levar um pouco de diversão e serviços para a comunidade. A previsão é que, ao longo do dia, em torno de 1.200 pessoas participem do evento, realizado no Centro Olímpico da Estrutural.
Brinquedos – “Conseguimos arrecadar mais de mil brinquedos novos e 2 mil usados, e todas as crianças que estiverem aqui vão sair com um brinquedo e um brinde”, informou Fabiane. “Arrecadamos também algo em torno de 4 toneladas de alimentos que serão doados para as creches que a Estruturando atende e outras instituições que precisarem”, disse Fabiane.
Para as crianças, a diversão foi garantida ainda com a brincadeira da cama elástica; pintura de rosto; distribuição de cachorro-quente e pipoca; aulas de hip hop, boxe e kickboxing; oficina de grafite e batalha de rimas. “É uma infância carente, uma população esquecida, que tem poucas creches que contam com o auxílio do poder público. E nem tem tantos espaços seguros para brincar”, disse a representante da ONG Estruturando.
Além de brincadeiras, a Estruturando disponibilizou consultas médicas, inclusive oftalmológicas, medição de pressão arterial e de glicemia e orientação nutricional para a população. Foi o caso de Francimeire da Silva Rocha, de 29 anos. Catadora no Lixão da Estrutural, Francineide levou as duas filhas – Isabelle, de 2 anos, e Samira, de 11 – para participar do evento. Ela aproveitou e levou a filha mais nova para uma consulta.
“Vim aqui procurar mais por diversão e brinquedos para as minhas filhas. A gente não tem como dar essas coisas e se preocupa muito. Então, pelo menos uma vez por ano, é bom ver a diversão das crianças. Elas ficam muito presas. A gente que trabalha fora não tem tempo de sair com elas”, disse. “Fiquei sabendo que tinha outras coisas e estou aproveitando, esperando uma consulta para a Isabela, que está muito gripadinha na pediatria”.
A Estrutural, que abriga um lixão a céu aberto, registra os piores índices de Desenvolvimento Humano (IDH) no Distrito Federal. Enquanto as regiões mais desenvolvidas obtiveram 0,955 e 0,957, valores muito próximos à pontuação máxima da escala de desenvolvimento humano, que é 1, a Estrutural registrou apenas 0,616. Elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Fundação João Pinheiro, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o estudo analisa dados como a longevidade, educação e renda da população para colaborar na melhoria de políticas públicas.
A ação, desenvolvida em parceria com voluntários do Banco do Brasil e de outras instituições, também mostrou que, quando dispostas, pessoas podem contribuir com uma parcela na melhoria de vida de quem precisa.
Segundo o bancário Marcelo Nepomuceno, a prática do voluntariado já é bem presente no Banco do Brasil, instituição em que trabalha. Ele disse que opção por auxiliar a ONG nesta ação na Estrutural foi em razão da data de hoje. “A gente resolveu fazer uma ação focando nas crianças da Estrutural porque, além de ser o Dia da Criança e de Nossa Senhora Aparecida, também é o aniversário do Banco do Brasil.” É uma oportunidade para o funcionário do banco fazer uma doação, explicou Nepomuceno.
O bancário lembra que o objetivo do trabalho voluntário é manter e mostrar esperança de que o mundo pode ser melhor. “O que a gente percebeu é que as pessoas têm boa vontade no coração, mas às vezes falta mostrar o caminho. E o que a gente veio fazer com os voluntários é mostrar a esperança de que o mundo possa ser melhor”, afirmou. O mais importante de tudo é trocar energia boa e sair daqui melhor. Tenho certeza de que as crianças vão para casa mais felizes, as mães, também, e os voluntários, principalmente”.
Fabiane contou que a Estruturando surgiu, há pouco mais de um ano, a partir da iniciativa de pessoas que passaram a levar mantimentos para as creches da comunidade. Ao longo do tempo, o volume foi aumentando e foi preciso montar uma organização para dar conta das ações. “A gente começou a vir e a conhecer a realidade daqui. Tem crianças que vêm para estudar no dia, mas que não jantaram na noite anterior, pois não têm alimentos em casa”.
A ONG trabalha para reduzir a insegurança alimentar, especialmente para as crianças da primeira infância (até 6 anos), auxiliando três creches da comunidade que atendem em torno de 120 crianças. Além disso, a Estruturando desenvolve ações focadas na educação e no voluntariado.
Atualmente, o sonho da ONG é construir uma sede na localidade. “Estamos aprendendo a lidar com tudo isso. Após estruturar a primeira infância, queremos montar um contraturno, e o sonho em médio prazo é construir a sede da ONG aqui na Estrutural”, informou Fabiane.
“Sabemos que não vamos mudar toda a realidade, mas queremos empoderar essas crianças para que possam sonhar. Embora muitas morem em volta do lixão, queremos mostrar que elas podem romper o ciclo de pobreza e ser mais, ser o que elas quiserem na vida”, afirmou Fabiane.