Vítimas da exclusão
ONU acusa Doria de abuso com ações na Cracolândia
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emO documento foi enviado ao governo brasileiro em 28 de agosto de 2017 e dava 60 dias para que uma resposta fosse apresentada. Mas nenhuma comunicação foi transmitida pelo governo aos representantes da ONU. Nesta quarta-feira, 21, a entidade colocou a carta enviada ao governo em seu site, para dar visibilidade.
Pelas regras da ONU, é o Brasil quem faz parte da instituição, e não governos locais ou estaduais. Portanto, cabe ao governo federal se posicionar. Tradicionalmente, o governo federal encaminha a queixa para a cidade ou o Estado implicado, na esperança de obter uma resposta.
Numa das queixas, os relatores da ONU criticavam as ações adotadas em São Paulo pelo prefeito João Doria (PSDB) em relação à Cracolândia. A operação foi realizada pela Prefeitura e pelo governo estadual, que responde pelas polícias. Ainda que seja uma política local, a ONU considera que o interlocutor oficial é o Itamaraty.
A carta confidencial foi preparada pelos relatores da ONU para Direito à Saúde, Dainius Puras, para Moradia, Leilani Farha, e para o Combate à Pobreza Extrema, Philip Alston. No texto, eles citam operações realizadas no início do ano passado e apontam “múltiplas violações cometidas durante e depois da intervenção contra residências do bairro conhecido como Cracolândia”.
“O novo prefeito anunciou que ela (Cracolândia) seria eliminada até o fim de seu mandato”, destaca a carta. Os relatores dizem que, apesar das promessas de programas sociais, uma nova operação aconteceu em maio na mesma região. “A polícia prendeu a todos que resistiram”, escreveram os relatores, que apontam “uso desproporcional da força”. “Nos dias seguintes à intervenção da polícia, centenas de pessoas, incluindo crianças e idosos, foram deixados desabrigados, sem acesso a serviços essenciais. Nenhuma acomodação alternativa foi oferecida”, afirma o texto.
Numa lista de diversos pedidos, a carta solicita que o governo preste esclarecimentos sobre os resultados de sua política e pede para saber se houve alguma investigação realizada sobre o uso da força contra a população. De acordo a ONU, nenhuma resposta foi dada por enquanto pelo Brasil.
Documentos reservados revelam que, entre agosto de 2017 e janeiro de 2018, os relatores das Nações Unidas enviaram cinco cartas sigilosas ao governo sobre diferentes problemas de direitos humanos. Nenhuma delas foi sequer respondida.
Prefeitura se defende – Procurada, a Prefeitura de São Paulo afirma que recebeu os questionamentos feitos pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos no dia 13 de setembro e respondeu ao governo federal duas vezes, em 11 e 31 de outubro, esta última vez com informações complementares das Secretarias de Habitação, Urbanismo e Licenciamento e Prefeitura Regional da Sé.
“Cabe destacar que o documento, aparentemente baseado apenas em relatos feitos pela imprensa, denota desconhecimento da realidade dos dependentes químicos que se concentram na região da Luz. Um exemplo desse desconhecimento é a afirmação de que a administração municipal na região retirou usuários de drogas de suas residências. Como é sabido, infelizmente, cerca de 1.800 pessoas viviam naquela região dormindo na rua. Hoje, os cerca de 400 dependentes químicos que ainda permanecem na região têm acesso a alimentação, banheiro e camas para pernoite”, diz a Prefeitura, por meio de nota.
“Ressalta-se também que o documento ignora que as ações da Prefeitura de São Paulo na região têm sido acompanhadas pelos órgãos de controle, notadamente o Ministério Público, com o qual acaba de ser celebrado um acordo (termo de ajustamento de conduta). Ignora ainda os desenvolvimentos havidos desde maio do ano passado.” A Prefeitura defende sua estratégia, dizendo que “criou a maior rede de atendimento social e de saúde para usuários de álcool e drogas do País”.
A reportagem procurou o Itamaraty para entender por que a resposta de São Paulo não foi encaminhada, mas não obteve resposta. Também acionou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, por causa das observações sobre violência policial, mas não houve resposta.