Esgotado o limite dos apoiadores raiz com a perda de votos decorrentes do recorrente negacionismo, o mito eleito presidente do Brasil sabe que precisa encontrar novo caminho para tentar recuperar eleitores descontentes com os rumos do governo. No melhor estilo das ideias de Maquiavel, marqueteiros e mosqueteiros retomaram o entendimento de qu é obrigação suprema do governante manter o poder, ainda que para isso tenha de derramar sangue. E não falo no sentido figurado. Afinal, lidamos com pessoas movidas exclusivamente por interesses egoístas e ambições pessoais de poder. Portanto, qualquer que seja a decisão, não haverá arrependimento, pois, para quem pensa e age sem idealismo político, os fins sempre justificarão os meios.
O que poucos sabem é que, antes das ideias maquiavélicas, o filósofo e pensador italiano Nicolau Maquiavel defendia a tese de que um Estado forte está visceralmente ligado a um mandatário eficaz. Apesar de manipulador e de ética relativisista, o fundador do pensamento e da ciência política moderna tinha visões futuristas. Segundo ele, para um líder conquistar e permanecer no poder é necessário ser bem visto e que tenha habilidades políticas. Tudo a ver com o que temos no Brasil de hoje. Atualmente experimentamos em nosso cotidiano outras coincidências com as teorias do poeta de origem florentina. Por exemplo, duas de suas das mais célebres frases (“O homem esquece mais facilmente a morte do pai do que a perda do patrimônio” e “Quando um homem é bom amigo, também tem bons amigos”) parecem ter sido cunhadas para nosotros.
Pelo sim, pelo não, as teorias da conspiração continuam povoando o imaginário bolsonarista. Ou seja, no cercadinho, na Jovem Pan, nos palácios ou nas redes sociais sempre há duas ou mais pessoas – às vezes uma organização – tramando para causar ou acobertar, por meio de planejamento secreto ou de ação deliberada, uma situação ou evento considerados ilegais ou prejudiciais. Essas teorias são desprovidas de fundamentos, mas produzem suposições que contrariam a compreensão predominante da história, do dia a dia ou de fatos corriqueiros. Como diz o acadêmico norte-americano Michael Barkun, é uma questão de fé em vez de prova.
É mais ou menos o que voltamos a ouvir contra o sistema eleitoral brasileiro. Para os defensores da reeleição do capitão está decidido que não dá mais Ibope negar a Covid-19 e desestimular a vacina contra a doença. Pelo contrário. Até agora, só tirou votos. E eles parecem irrecuperáveis. Portanto, a ordem é tentar uma nova velha estratégia. A determinação palaciana e do filho Zero Dois ao povo do cercadinho é voltar os canhões das fake news novamente para a facada salvadora e para as urnas eletrônicas. Difícil convencer o eleitorado, mas não eles, que estão convencidos de que serão reeleitos remexendo os alfarrábios que não escreveram na tentativa de encontrar frases, pensamentos, citações ou fatos com os quais consigam manipular o povo.
Ordens de cá, ordens de lá. O novo lema é passar o país a limpo. Por isso, prefiro a avaliação do ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luiz Roberto Barroso, para quem atacar a eleição com informações mentirosas é copiar a “repetição mambembe” de Donald Trump, o magnata que um dia se imaginou dono dos Estados Unidos. Além de obstruir o fígado, aumentar o excesso de bile negra (melancolia) e tumultuar a já tumultuada alma dos fanáticos seguidores, ficar girando em torno da mesmice lembra um peru próximo da degola. Por enquanto, a eleição presidencial tem um único candidato formal: o mito, cujo rancor e ódio contaminaram seu próprio reduto. Enquanto assistem da tribuna de honra os esperneios de cá, os de lá usam a tese do médico sábio contra Maquiavel: “Para qualquer dor, o melhor remédio é amor e carinho”. Alguém perguntou: E se não funcionar? Sorrindo, o sábio respondeu: “aumente a dose”. Simples assim.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978