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Desatinos

Orgia de velhinhos volta com o fim da pandemia

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Produção Francisco Filipino

Veínhos e veínhas se aposentaram. Veio a pandemia, que prudente, quarentenaram. Muito tempo depois, que bom, vacinaram. E aí, que maravilha, se encontraram. E então, que doideira, desatinaram.

Tudo começou com a iniciativa de dois deles, um casal casado de papel passado, de reunir a turma. Afinal, estava todo mundo vacinado, não estava? Fora, claro, os que haviam morrido, de Covid e outros males, afinal ninguém fica pra semente. Eram 12 participantes, sete veínhas e cinco veínhos – as mulheres eram maioria no ramo editorial a que todos pertenciam, ou viviam mais tempo, sabe-se lá o motivo, e também eram maioria no grupo de amigos.

Combinaram se encontrar num barzinho paulistano às 19h15. Meio cedo, mas o local fechava às 21h30, restrição imposta pela pandemia. Além do mais, nenhum dos 12 veteranos tinha mais pique para uma madrugada de esbórnia, uma noite em plena orgia.

De início, tudo correu bem. Todos de máscara. Sorrisos (invisíveis, mas os olhos brilhavam), abraços apertados, desafiando o vírus, beijinhos sobre a máscara, até mesmo selinhos, com o equipamento momentaneamente removido, E começaram a beber, todos entornavam pesado, eram famosos nas redações por isso. “Eles têm raiva do álcool, viram todas, pra acabar logo com ele”, descreveu um redator abstêmio, que viu a patota esvaziando zelosa e obstinadamente garrafa após garrafa. Só que muita birita, libido reprimida há muitos meses e idade avançada não conjuminam muito bem.

Em resumo, os veínhos e as veínhas desatinaram. E começaram a se olhar. Não apenas olhar, OLHAR. Sabem aquela cena de Em busca do ouro, de Charles Chaplin, em que um mineiro morto de fome olha para Carlitos e o vê transformar-se em uma gorda galinha, de coxas suculentas e sem dúvida deliciosas? Mais ou menos assim. Olhavam-se como não se olhavam há pelo menos 40 anos, quando a vida, risonha e franca, era um brinquedo pra eles e tudo lhes parecia permitido.

Com os olhares, vieram lembranças de transas ou quase transas, das vezes em que haviam se pegado ou chegado perto disso. Máscaras foram removidas e todos começaram a se agarrar. Sete veínhas, cinco veínhos – divisão perfeita. Houve quem beijasse duas veínhas, houve veínhas que se beijavam na última… Ninguém era de ninguém e a palavra proibição não existia, não naquela noite mágica.

Alguns veínhos mais assanhados chamaram as moças que os atendiam no salão (eles pensavam nelas como garçonetes, mas não ousavam pronunciar a palavra, conscientes de que era Ancien Régime demais) e as convidaram para uma festinha com ele e sua parceira. Algumas sorriam, diziam coisas como “Sai dessa, vovô” ou gírias mais atuais no mesmo sentido, mas talvez alguma tenha topado a brincadeirinha – provavelmente por uma quantia razoável que a ajudasse a pagar a faculdade. Se isso aconteceu, eu não soube, nem os demais; a coisa ficou entre a moçoila e os felizes parceiros do ménage à trois. E houve pelo menos uma veínha mais atirada que patolou um atendente do salão. O moço apenas sorriu e afastou-lhe a mão; ela deu uma risada escrachada, feliz como pinto no lixo.

A coisa foi ficando cada vez mais quente, até que um casal de taradosos (tarados idosos) foi convidado a se retirar, por atentado ao pudor. Houve protestos, falas de É proibido proibir, mas poucos e tímidos; afinal, cabia admitir que uma veterana cair de boca em um senhor de 78 invernos – e remover a dentadura para a coisa ser ainda mais gostosa – não é o comportamento mais adequado para um barzinho cheio de casais de olhares invejosos. Então os desatinados pediram a conta e foram embora, em duplas ou trios.

No dia seguinte, a organizadora da reunião ligou para me pedir sigilo absoluto. “Cê conhece a frase ‘O que acontece em Vegas fica em Vegas?’ Pois bem, o que acontece em nossa faixa etária fica em nossa faixa etária!”

Claro que prometi, jurei de pés juntos não comentar o episódio. Mas, vocês sabem, escrevo contos…

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