Os EUA querem empurrar a Otan para as fronteiras ocidentais da Rússia. Querem uma ponte de terra para a Ásia a fim de espalhar bases militares estadunidenses por todo o continente. Querem controlar os corredores de gasodutos da Rússia para a Europa a fim de monitorar as receitas de Moscou e assegurar que o [preço do] gás continua a ser denominado em dólares.
E querem uma Rússia mais fraca e instável pois assim fica mais propensa a mudança de regime, a fragmentação e, em última análise, a controle estrangeiro. Estes objetivos não podem ser alcançados pacificamente. Na verdade, se o combate acabasse amanhã as sanções seriam levantadas pouco após e a economia russa começaria a recuperar. Como é que isso beneficiaria Washington?
Não beneficiaria. Minaria o plano mais vasto de Washington de integrar a China e a Rússia no sistema econômico prevalecente, o sistema dólar. Pessoas influentes nos EUA percebem que o atual sistema deve ou expandir-se ou entrar em colapso. Ou a China e a Rússia são submetidas e persuadidas a aceitar um papel subordinado na ordem global liderada pelos EUA ou a permanência de Washington como poder hegemônico global chegará a um fim.
Esta é a razão porque as hostilidades no Leste da Ucrânia escalaram e continuarão a escalar. Esta é a razão porque o Congresso dos EUA aprovou uma lei para aplicar sanções mais duras ao setor energético da Rússia e ajuda letal aos militares da Ucrânia. Esta é a razão porque Washington enviou instrutores militares para a Ucrânia e prepara-se para providenciar US$3 milhares de milhões em “mísseis antiblindagem, drones de reconhecimento, Humvees armados e radares que possam determinar a localização de rockets e fogo de artilharia inimigo”. Todas as ações de Washington são concebidas com um único propósito em mente: intensificar o combate e escalar o conflito. As pesadas perdas do inexperiente exército da Ucrânia e o terrível sofrimento dos civis em Lugansk e Donetsk não têm interesse para os planejadores de guerra dos EUA. A sua tarefa é assegurar que a paz seja evitada a todo custo porque a paz descarrilaria os planos estadunidenses para voltar-se para a Ásia e permanecer a única superpotência mundial. Aqui está um excerto de um artigo no WSWS:
“O objetivo final dos EUA e seus aliados é reduzir a Rússia a um status empobrecido e semicolonial. Uma tal estratégia, historicamente associada a Zbigniew Brzezinski, antigo conselheiro de segurança nacional da administração Carter, está outra vez a ser promovida abertamente.
Num discurso no ano passado no Wilson Center, Brzezinski conclamou Washington a abastecer Kiev com “armas destinadas particularmente a permitir aos ucranianos empenharem-se em eficaz guerra urbana de resistência”. Em linha com as políticas agora recomendadas no relatório da Brookings Institution e outros think tanks que clamam por armas americanas para o regime de Kiev, Brzezinski pediu que providenciassem “armas antitanque… armas capazes para utilização em combate urbano a curta distância”.
Se bem que a estratégia esboçada por Brzezinski seja politicamente criminosa – aprisionando a Rússia numa guerra urbana na Ucrânia que ameaçaria provocar a morte de milhões, se não mesmo milhares de milhões de pessoas – ela está plenamente alinhada às políticas que durante décadas ele tem promovido contra a Rússia”. ( “The US arming of Ukraine and the danger of World War III“ , World Socialist Web Site).
A ajuda militar não letal inevitavelmente levará à ajuda militar letal, armamento refinado, zonas de interdição de voo, assistência encoberta, mercenários estrangeiros, operações especiais e botas sobre o terreno. Já vimos tudo isso antes. Não há oposição popular à guerra nos EUA, nenhum movimento anti-guerra influente que possa paralisar cidades, ordenar uma greve geral ou desestabilizar o status quo. Assim, não há meio de travar o persistente impulso para a guerra. Os media e os políticos deram carta branca a Obama, autoridades para prosseguir o conflito como ele quiser. Isso aumenta a probabilidade de uma guerra mais vasta neste próximo Verão a seguir ao degelo da Primavera.
Ainda que a possibilidade de uma conflagração nuclear não possa ser excluída, isso não afetará os planos dos EUA para o futuro próximo. Ninguém pensa que Putin lançará uma guerra nuclear para proteger o Donbass, de modo que o valor dissuasor das armas é perdido.
E Washington tão pouco está preocupada acerca de custos. Apesar das incompetentes (botched) intervenções militares no Afeganistão, Iraque, Líbia e uma meia dúzia de outros países por todo o mundo, as acções dos EUA ainda estão a subir, o investimento estrangeiro em Títulos do Tesouro dos EUA (Treasuries) está em níveis recorde, a economia dos EUA cresce a um ritmo mais rápido do que a de qualquer dos seus competidores globais e o dólar subiu uns espantosos 13 por cento desde Junho último em relação a um cabal de divisas estrangeiras. A América nada tem pago por dizimar vastas partes do planeta e matar mais de um milhão de pessoas. Por que eles iriam parar agora?
Eles não pararão, razão pela qual o combate na Ucrânia está em vias de escalar. Verifique isto do WSWS:
“Na segunda-feira, o New York Times anunciou que a administração Obama está a inclinar-se para armar diretamente o exército ucraniano e as milícias fascistas que apoiam o regime de Kiev suportado pela NATO, após as suas recentes derrotas na ofensiva contra as forças separatistas pró-russas no Leste da Ucrânia.
O artigo cita um relatório conjunto emitido segunda-feira pela Brookings Institution, pelo Atlantic Council e pelo Chicago Council on Global Affairs e entregue ao Presidente Obama, aconselhado a Casa Branca e a NATO sobre o melhor caminho para escalar a guerra na Ucrânia…
De acordo com o Times, oficiais dos EUA estão rapidamente a apoiar as propostas do relatório. O comandante militar da NATO na Europa, general Philip M. Breedlove, o secretário da Defesa Chuck Hagel, o secretário de Estados dos EUA John Kerry e o chefe do estado-maior das forças armadas general Martin Dempsey todos apoiaram as discussões sobre armar Kiev. A conselheira de segurança nacional Susan Rice está a reconsiderar a sua oposição a armar Kiev, abrindo o caminho para a aprovação de Obama” ( “Washington moves toward arming Ukrainian regime” , World Socialist Web Site).
Vêem o que está a acontecer? A morte já está no molde. Haverá uma guerra com a Rússia porque é o que o establishment político quer. É muito simples. E apesar de provocações anteriores não terem conseguido atrair Putin para dentro do caldeirão ucraniano, este novo surto de violência – uma ofensiva na Primavera – está obrigado a fazer o truque. Putin não vai sentar sobre as suas mãos enquanto procuradores (proxies) armados com armas americanas e logística americana bombardearem o Donbass até chegar a uma ruína tipo Faluja . Ele fará o que qualquer líder responsável faria. Ele protegerá o seu povo. Isso significa guerra. (Ver aqui o vasto dano que a guerra proxy de Obama já fez no Leste da Ucrânia: “An overview of the socio – humanitarian situation on the territory of Donetsk People’s Republic as a consequence of military action from 17 to 23 January 2015” ) .
Manter em mente que a economia russa já foi abalada pelas sanções econômicas, pela manipulação do preço do petróleo e por um ataque vicioso ao rublo. Até esta semana, os media de referência afastavam a ideia de que os sauditas estivessem deliberadamente a deitar abaixo os preços do petróleo a fim de ferir a Rússia. Eles diziam que os sauditas estavam simplesmente a tentar reter “fatia de mercado” mantendo os níveis de produção atuais e deixando os preços caírem naturalmente. Mas isto eram tudo asneiras como o New York Times admitiu finalmente na quinta-feira num artigo intitulado: “Saudi Oil Is Seen as Lever to Pry Russian Support From Syria’s Assad”. Aqui está um recorte do artigo:
“A Arábia Saudita tem estado a tentar pressionar o Presidente Vladimir V. Putin da Rússia a abandonar seu apoio ao Presidente Bashar al-Assad da Síria, utilizando a sua dominância dos mercados globais de petróleo num momento em que o governo russo está a cambalear devido aos efeitos da queda livre nos preços…
Responsáveis sauditas disseram – e contaram aos Estados Unidos – que pensam terem alguma influência sobre o sr. Putin devido à sua capacidade para reduzir a oferta de petróleo e possivelmente aumentos de preços… Qualquer enfraquecimento do apoio russo ao sr. Assad podia ser um dos primeiros sinais de que o recente tumulto no mercado petrolífero está a ter um impacto sobre a política global…
A influência da Arábia Saudita depende de quão seriamente Moscovo encara o seu declínio de receitas petrolíferas. “Se eles estiverem sofrendo tanto de modo a precisarem que o acordo petrolífero no imediato, os sauditas estão em boa posição para fazê-los pagar um preço geopolítico”, disse F. Gregory Gause III, especialista em Médio Oriente da Texas A&M’s Bush School of Government and Public Service ( “Saudi Oil Is Seen as Lever to Pry Russian Support From Syria’s Assad” , New York Times )
Os sauditas “pensam que têm alguma influência sobre o sr. Putin devido à sua capacidade para manipular preços?
Isto diz tudo, não é?
O interessante neste artigo é o modo como entra em conflito com peças anteriores no Times. Exemplo: apenas duas semanas atrás, num artigo intitulado “Quem dominará o mercado petrolífero?” o autor deixou de ver qualquer motivo político por trás da atuação saudita. Segundo a narrativa, os sauditas estavam apenas temerosos de que “perderiam uma fatia de mercado permanentemente” se cortassem a produção e mantivessem preços elevados. Agora o Times fez uma guinada de 180º e aderiu aos chamados malucos da conspiração que diziam que os preços eram manipulados por razões políticas. De facto, o afundamento súbito do preço nada tem a ver com pressões deflacionárias, dinâmicas de oferta-procura ou qualquer outra superstição de forças de mercado. Foi 100 por cento político.
O ataque ao rublo também foi politicamente motivado, embora os pormenores sejam muito mais incompletos. Há uma entrevista interessante com Alistair Crooke que vale a pena ler para aqueles que estão curiosos acerca de como a “dominância de pleno espectro” (“full spectrum dominance”) do Pentágono se aplica à guerra financeira. Segundo Crooke:
“… com a Ucrânia, entrámos numa nova era. Temos um substancial conflito geoestratégico a verificar-se, mas ele é efetivamente uma guerra geo-financeira entre os EUA e a Rússia. Temos o colapso nos preços do petróleo; temos as guerras de divisas; temos o “shorting” forçado – selling short – do rublo. Temos uma guerra geo-financeira e o que estamos a assistir como consequência desta guerra geo-financeira é que em primeiro lugar ela provocou uma estreita aliança entre a Rússia e a China.
A China entende que a Rússia constitui o primeiro dominó; se a Rússia cair, a China será o seguinte. Estes dois estados estão a mover-se em conjunto para criar um sistema financeiro paralelo, desembaraçado do sistema financeiro ocidental. …
Durante algum tempo a ordem internacional estava estruturada em torno das Nações Unidas e do corpo do direito internacional, mas cada vez mais o Ocidente tem tendido a ultrapassar a ONU como instituição destinada a manter a ordem internacional e, ao invés, a confiar em sanções econômicas para pressionar alguns países. Temos um sistema financeiro baseado no dólar e, embora instrumentalizando a posição da América como controladora de todas as transações em dólar, os EUA foram capazes de ultrapassar as velhas ferramentas da diplomacia e da ONU – a fim de promover seus objetivos.
Mas, cada vez mais, este monopólio sobre a divisa de reserva tornou-se a ferramenta unilateral dos Estados Unidos – afastando a ação multilateral na ONU. Os EUA afirmam sua jurisdição sobre qualquer transação denominada em dólar que se verifique em qualquer parte do mundo. E a maior parte das transações de negócios e comerciais no mundo são denominadas em dólares. Isto essencialmente constitui o financiamento da ordem global. A Ordem Internacional depende mais do controle do Tesouro e do Federal Reserve dos EUA do que da ONU como antes”. ( “Turkey might become hostage to ISIL just like Pakistan did“ , Today’s Zaman)
Guerra financeira, guerra assimétrica, guerra de Quarta Geração, guerra no espaço, guerra da informação, guerra nuclear, guerra de laser, química e biológica. Os EUA expandiram seu arsenal bem além do conjunto tradicional de armamento convencional. O objetivo, naturalmente, é preservar a ordem mundial pós 1991 (A dissolução da União Soviética) e manter a dominância de pleno espectro. A emergência de uma ordem mundial multipolar encabeçada por Moscou coloca a maior ameaça única aos planos de Washington pela dominação contínua. O primeiro choque significativo entre estas duas visões de mundo competidoras provavelmente terá lugar em algum momento neste Verão no Leste da Ucrânia. Deus nos ajude.
Nota: As Forças Armadas da Novorússia (FAN) atualmente mantém cercados 8.000 soldados regulares em Debaltsevo, no Leste da Ucrânia. Isto é algo muito grande embora os media tenham estado (como era de prever) a afastar a notícia das manchetes.
Foram abertos corredores de evacuação para permitir a civis deixarem a área. O combate pode estalar a qualquer momento. Atualmente, aparentemente um boa parte do exército nazi de Kiev poderia ser destruído numa só tacada. Eis porque Merkel e Hollande fizeram um voo de emergência para Moscou a fim de conversar com Putin. Eles não estão interessados na paz. Eles simplesmente querem salvar o seu exército proxy da aniquilação.
Espero que Putin possa intervir em prol dos soldados ucranianos, mas penso que o comandante Zakharchenko resistirá. Se ele deixar estas tropas irem embora agora, que garantia tem ele de que elas não voltarão daqui a um mês ou pouco mais ou menos com armamento de alto poder fornecido pelo nosso Congresso belicista e pela Casa Branca?
Contem-me: que opções Zakharchenko realmente tem? Se os seus camaradas forem mortos em futuro combate porque ele deixou o exército de Kiev escapar, quem pode ele culpar senão a si próprio?
Mike Whitney