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2022 está logo ali

Ostracismo bate na porta do Palácio do Planalto

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Wenceslau Araújo - Foto Marcelo Camargo

Desde o advento da reeleição, em 1994, todos os mandatários conseguiram o segundo mandato sem problemas. Alguns, caso de Luiz Inácio, chegaram a quatro, ainda que de maneira enviesada. Somente Jair Bolsonaro corre o sério risco de fracassar e ficar fora desse seleto grupo de reeleitos. Perderá até para Dilma Rousseff, considerada um “poste”, mas vencedora em disputas contra os tucanos José Serra e Aécio Neves, o ex-menino de ouro das Minas Gerais. Ganhou de ambos no segundo turno com expressiva vantagem. Sem exceção, os derrotados permaneceram políticos e jamais pensaram em recorrer a discursos de fraudes nas urnas eletrônicas, ao incitamento de apoiadores para invadir instituições seculares, tampouco ameaçaram adversários com teses golpistas. Esse é o projeto de vida e de futuro do presidente da República.

A ideia brasileira era seguir os ensinamentos de Donald Trump, magnata moderno, mas cujos ideais são dos tempos das diligências. Usei a forma derivada do verbo ser no pretérito imperfeito por uma razão simples: o sonho dourado da reeleição a qualquer custo já era, escafedeu-se, sumiu. A argumentação também é simplória: a exemplo do ex-presidente dos Estados Unidos, os projetos arbitrários de Bolsonaro não devem ser levados a sério. Aliás, sobre reeleição, Trump faz parte de uma indesejada lista de políticos norte-americanos que não conseguiram se reeleger. Desde 1788, dos 45 mandatários dos EUA somente 11 tiveram o retorno ao poder negado pela população. A partir de 1992, quando George H. W. Bush perdeu para o democrata Bill Clinton, todos os candidatos haviam assegurado um segundo mandato. Vale lembrar que Donald Trump também foi derrotado por um democrata, o ex-senador Joe Biden.

Lá, 232 anos ininterruptos de votação só fizeram mal ao milionário maluquete. Aqui, depois de 25 anos de eleições com urnas eletrônicas, o capitão descobriu que suas sete vitórias para a Câmara Federal e uma para Presidência da República foram fraudadas. Infelizmente, é irrecuperável a “fraude” sofrida por 57.797.847 eleitores (55,13% do total). A prova de que a máquina de votar não tem culpa alguma do fracasso do governo eleito democraticamente é que 47.040.906 brasileiros (44,87%) escolheram de forma contrária. Nem por isso o perdedor, Fernando Haddad, culpou o sistema eleitoral pela derrota. É a máxima dos memes que lotaram meu zap zap nessas últimas semanas. Um deles me chamou atenção pela coerência da brincadeira.

Numa alusão ao calorão observado em pleno inverno, o texto informava que “as ondas de calor podem ter sido causadas pelos brasileiros que abriram as portas do inferno nas eleições de 2018”. É uma piada, mas tem tudo a ver com a quadra que vivemos. Comicidades à parte, a situação está muito mais sombria do que parece para os lados do Planalto. Os oportunistas têm grande senso de oportunidade, mas, considerando os fatos dos últimos dois ou três dias, o fracasso em 2022 já começou a ser desenhado em órbitas distintas. Aliados de ocasião, boa parte dos políticos do Centrão já admite a derrota do presidente até mesmo no primeiro turno. Notas daqui, notas dali manifestam o desejo dos principais nomes do setor produtivo em desembarcar do barco bolsonarista antes que ele afunde de vez.

Como representantes do primeiro escalão do mercado financeiro e do mundo dos negócios, o que os “donos” do PIB nacional mais temem é que o Brasil vá junto para o fundo do poço. Acompanhando a maioria dos analistas nativos, a mídia internacional já percebeu que o farol do mito anda meio apagado. Um exemplo disso é o jornal espanhol El País, cujo correspondente no Brasil, Afonso Benites, cravou há algumas semanas que Bolsonaro “surfa na insatisfação salarial de PMs, mas não teve apoio expressivo da categoria no 7 de Setembro”. Por meio das redes sociais, o presidente estimulou apoiadores da corporação a participarem das manifestações do Dia da Independência (elas serão sempre lembradas) em Brasília e em são Paulo. Entretanto, nos bastidores, representantes da categoria aggté hoje afirmam que ele não conseguiu mais do que apoios isolados de policiais.

Na minha visão de doutrinador de peixinhos de aquário, firmei convicção de que PMs, políticos, empresários e a turma do agronegócio começam a prefrerir o feijão ao fuzil e a se conscientizarem da importância da tese sobre coletividade de Carlos Drumond de Andrade. Para nosso poeta maior, “viver em sociedade requer instinto de formiga, dentes de leão e habilidade camaleônica”. Fora disso, assumiremos todos a pecha do tiozão Sérgio Reis: antiquado, fora da realidade e medroso, pois perdeu o rebolado de sertanejo jovem guardiano logo na primeira investigação judicial sobre incitações de atos violentos contra a democracia. Também perdeu amigos, shows e o respeito do público. No mesmo diapasão de Donald Trump e de Sérgio Reis, as manifestações de ex-bajuladores do poder econômico sinalizam o progressivo isolamento do presidente das multidões de meia dúzia no cercadinho do Palácio da alvorada. Em verdade, o ostracismo bate à porta da Presidência da República Resta-nos a certeza de 2022 está logo ali.

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