Osvaldo navegava pela internet, quando se deparou com uma foto dos integrantes da Academia de Letras de Ondejudasperdeuasbotas. Levou um susto, nenhuma mulher bonita, nenhum homem de aparência distinta. Por sobre as roupas, que variavam de discretos vestidos longos a terninhos de um amarelo-canário berrante e calças jeans (para eles), envergavam opas, capas sem mangas de tamanho desigual, destinadas a solenidades e nitidamente costuradas nas coxas. Alguns sorriam e encaravam a câmera, como se obedecendo à ordem do fotógrafo, “olha o passarinho”.
Duas mulheres, talvez buscando parecer etéreas, sensíveis, inclinavam a cabeça para o lado; tadinhas, pareciam estar com torcicolo. Porém, quando conseguiu descartar a dimensão estética (argh), o que o impressionou foi a satisfação que irradiava de todos eles, felizes como pintos no lixo.
Intrigado, Osvaldo buscou, na rede, Academias de Letras tupiniquins. Encontrou muitíssimas, afinal não faltavam personagens bíblicos, todos capazes de perder as botas. Na grande maioria, a mesma tigrada puxada para feia, mas irradiando contentamento por suas realizações literárias e pela convivência com seus confrades.
Osvaldo percebeu, melancólico, que todos eles haviam alcançado a glória – uma gloriazinha fraquinha, meio murcha, mas que os enchia de satisfação. Quanto a ele, também escritor, confrade dos acadêmicos dos confins onde se perdiam as botas, talvez tivesse fixado o sarrafo alto demais. Buscara conquistar a Glória, não conseguira; agora, tentava seduzir qualquer uma, o importante era imortalizar-se como literato.
Mas, tadinho, seguia pela estrada da vida de rejeição em rejeição.
Desesperado, o escritor do sarrafo alto tentou um último recurso. Descobriu os e-mails de duas academias de lugarejos sem botas e enviou-lhes um conto, Vozes. Era um de seus melhores (já publicado pelo Notibras). No e-mail, manifestava seu desejo de mudar para a cidadezinha do personagem descalço e pedia que o aceitassem como confrade.
As respostas chegaram no mesmo momento, uns quinze dias depois. Nada animadoras. A mais expressiva iniciava com: “A Osvaldo xxx, filho de uma égua, escritor de bosta”.
O texto prosseguia, chamando-o de bostaldo, dizendo que ele havia zombado, no conto, dos poetas que rimavam amor, flor e dor. Todos eles faziam isso, e se orgulhavam de seus versos; nunca aceitariam como confrade um fiodeumaégua de cidade grande que ria deles. E terminava com uma ameaça:
“Fica aí no Sul maravilha, bostaldo, que logo vais receber a visita de João Mauzão. Ele não é nosso confrade, um literato sensível que nem nós, mas maneja a peixeira como ninguém. Vais aprender a não zombar dos poetas esforçados do nosso Brasil”.
Agora, Osvaldo espera, apavorado, a chegada da besta fera. No fundo, sabe que a culpa é dele mesmo. Antes, sentia uma espécie de ternura pelos que chamava de “oligopoetas”, com seus versinhos chinfrins; como escrevera no conto O poeta abestado (já publicado pelo Notibras), davam-lhe vontade “de pegar no colo e ninar, até que dormissem e esquecessem suas pretensões literárias”. Mas depois, com a não conquista da glória, passara a sentir inveja até mesmo deles.
Soaram as 10, hora de sair de casa, de ir pra aula de peixeira. Em seguida, emendando, aula de tiro. Mas, no fundo, Osvaldo sabe que não vai adiantar, mesmo que treine adoidado, alguém que atende pelo codinome de João Mauzão é areia demais pro seu caminhãozinho.