'Chega' de aventuras
Ovo da serpente gora e extremismo português fica a ver navios
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emNo Brasil, em Portugal e em qualquer lugar do mundo, quem fala demais acaba cumprimentando os cavalos. Às vezes, até participam dos banquetes regados a alfafa. Aqui como lá, o falador morre pela boca. Foi o que aconteceu com o gajo André Ventura, um político desconhecido, mas que, com o “apoio” de Jair Messias, se achou capaz de sonhar, pela populista extrema-direita, com o cargo de primeiro-ministro de Portugal. A exemplo de seu instrutor brasileiro, perdeu por conta de ameaças imbecis e de cumprimento quase impossível.
Para desventura dos “patriotas” lusitanos, o senhor Ventura, líder do partido extremista “Chega”, prometeu impedir a entrada do presidente Luíz Inácio da Silva no país.
A intimidação deve ter deixado Lula sem dormir duas ou três noites. “Se eu for primeiro-ministro, o senhor Lula da Silva ficará no aeroporto. Se insistir vai para uma cadeia”, disse o boquirroto postulante ao cargo que disputou sem a menor chance sequer de ser convidado para a posse do vencedor Luís Montenegro, do Partido Social Democrata, representante de centro-direita, que venceu, mas não conseguiu alcançar a maioria absoluta do Parlamento.
Como a maioria dos líderes das legendas progressistas do Brasil, Montenegro não quer aproximação alguma com a extrema-direita lusitana, principalmente com o Chega, que começou e terminou o pleito em terceiro lugar.
Sabidamente, Lula deu um caguei para o achavascado e abiscoitado português, que aprendeu ipsis litteris a retórica de porta de cadeia com o aliado Bolsonaro. Lula responder tamanha boçalidade seria garantir palanque para um portuga que talvez ainda confunda o Brasil com Buenos Aires.
Na falta do que dizer e baseado no que ouviu falar do presidente que gratuitamente atacou, Ventura se arvorou a imaginar que venceria as eleições com apoio dos imigrantes brasileiros que vivem em Portugal. Puro devaneio, na medida em que muitos dos brazucas que estão d’além mar são os mesmos que não conseguiram reeleger o “queridinho” do conservadorismo jurássico, ultrapassado e tacanho.
Sem margem de erro para a riba ou para bajo, os apoiadores brasileiros da desventura denominada Ventura tentam recuperar privilégios ou benesses perdidas após a vitória da democracia no Brasil. Viviam de carguinhos em comissão na Terra Brasilis e, pelo visto, morrerão lavando pratos ou latrinas em Portugal.
Tem bobo para tudo no mundo. Apostar errado também é um direito dos que não têm eira, beira, tampouco conhecimento ou vontade de trabalhar pela pátria. A preferência é sempre se aboletar e se quedar onde vislumbram vantagens. Curiosamente, uma vitória do Chega poderia significar o fim do êxodo de brazucas para Portugal.
Com abstenção próxima de 50%, as eleições para a Assembleia da República de Portugal devem garantir um número razoável de cadeiras para o Chega. Fora isso, nada mais. A legenda deve ganhar um chega pra lá dos vencedores e não terá voz no futuro governo da socialdemocracia local.
Longe de ser porreiro, o tal senhor Ventura de muita parra precisar tirar as “cuecas” apertadas, lavar a língua e, como seu instrutor brasileiro, se enxergar enquanto há tempo. Se cuida, Latorraca. Tu ainda não tens lata para o sonhado cargo. Como dizem por lá, falaste pelos cotovelos, não dissestes nada, nadaste, nadaste e morreste em praias portuguesas.
Ainda que aplauda, mas não gargalhe diante de derrotas com a do Ventura e de seu mentor brasileiro, esse é o tipo de ser humano do qual devemos guardar relativa distância. Como democrata, é difícil conviver e é impossível imaginá-lo com poder. Pode até manter a liberdade, a voz rouca do ódio e até o ensinamento da ideologia extremada, mas que, deliberadamente, suma de nossas vistas. É a tal presença que incomoda durante o sono e perturba no despertar.
Para o bem de Portugal, do Brasil e do mundo, apesar de algum avanço, André Ventura escorregou no salto, estatelou-se no tapete vermelho da bravata e desventurou-se de vez. Uma pena, pois, sem o cargo de primeiro-ministro, ele pode continuar entrando e saindo do Brasil como ilustre desconhecido. Isto quer dizer que, por claro desmerecimento, ninguém vai ameaçá-lo de prisão por aqui. Quanto a Bolsonaro, melhor Jair se preparando para o pior.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978