Kleber Ferriche
É da natureza humana buscar respostas sobre fenômenos que a razão, pura e simples, e a própria ciência não explicam. Essa busca é muito antiga, iniciada, segundo registros, há mais de 3 mil anos por Siddharta Gautama na Índia, que deu origem ao Budismo, praticado por milhões de adeptos nos cinco continentes.
O Buda Siddharta, como é conhecido, foi um príncipe que renunciou à nobreza para estudar a vida e sua cronologia lógica: nascimento, velhice, doença e morte. Agora, em pleno Século XXI, outros grupos debatem suas crenças e lutam por espaço de um tema que não é físico.
Nesta terça-feira, 10, às 19h, na Casa Manga com Leite, localizada na Rua Espírito Santo da Vila Planalto, seguidores da Umbanda vão promover um debate sobre o diálogo entre as comunidades tradicionais de terreiro. Mas a pauta é robusta politicamente e não estará voltada aos seus fundamentos ou gênese.
O que aqueles praticantes da fé de origem banto querem é chamar a atenção sobre o avanço da intolerância sobre seus quintais.
É legítimo, claro, que os milhares de seguidores dessa prática religiosa levantem a voz contra a ameaça e a brutalidade que têm enfrentado.
Recentemente, um vídeo gravado pelo próprio opressor, registra a ação de um traficante que obriga uma senhora a destruir seu próprio terreiro, sob a mira de armas, em alguma favela carioca.
A disputa pelo espaço da fé é cada dia mais desumano. O Brasil nunca foi dividido religiosamente, como acontece em outras fronteiras onde a guerra predomina para demarcar territórios. Físicos. A calmaria aparente, entretanto, esconde aquilo que para alguns são apenas disputas fundamentalistas e para outros o crescimento de domínios comerciais.
Desde o descobrimento, há o confronto velado de crenças e de etnias no nosso país. De Angola e Congo vieram os primórdios terreiros e o sincretismo religioso trazidos pelos negros escravos. Da Europa, com grande participação anglo-saxã, de predomínio branco, os cristãos. Hoje, o avanço dos protestantes causa desconforto aos demais.
Muitas igrejas evangélicas cresceram em poucos anos e são hoje multinacionais estabelecidas em vários países, percorrendo a contramão da história e arregimentando fieis em nações impensáveis como cenário no século passado.
Aparentemente o confronto menos pacífico acontece entre os seguidores da Casa de Oxumarê (Século XVIII) e os mega templos erguidos pelas novas religiões de fundamento evangélico. O Brasil reserva, segundo o último censo, cerca de 22% de sua população aos evangélicos. A população declarada cristã é de maioria esmagadora – 87%. As outras religiões, incluindo budistas, islâmicos, judaicos, dividem o saldo.
No bloco de protestantes é bom lembrar que estão luteranos, metodistas, adventistas, presbiterianos, batistas, que muitas vezes não acompanham a ação de evangélicos que pertencem às novas casas abertas à fé recentemente, como a Universal, criada nos anos 1970.
A demonização da crença dos terreiros é secular, mas seus adeptos afirmam que o abate sacro – uma das piores acusações que recebem – é coisa do passado e essa prática é igualmente obediente às leis, como as touradas proibidas na Espanha ou as vaquejadas nordestinas, condenadas pelo Supremo Tribunal recentemente.
A discussão do encontro da Casa Manga com Leite pode iniciar um movimento mais organizado e corporativo entre os praticantes. Só assim poderão formar a sua própria bancada política, com representação legítima para formular leis, a exemplo dos evangélicos, que já têm a sua nos plenários nacionais e até em prefeituras, embora apenas meia dúzia de municípios brasileiros entre os 5.570 existentes, apresente maioria evangélica, de acordo com o IBGE.
Oxalá certamente vai gostar de ver um pouco de harmonia e uma bancada crescente nesse mundão de discórdias e perseguições seculares. Se é que ele ainda não tenha maioria em um outro plano onde as doações só existem de almas.