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Arde que dói

Pai babão e mãe racional, sem deixar emoção de lado

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

O convívio com Manuela, minha filha de oito anos, tem me feito refletir sobre a vida. Não que eu seja dessas mães que consideram os filhos como os seres mais lindos e espetaculares do mundo. Para falar a verdade, minha cria poderia passar despercebida em um grupo de crianças brincando na praia aqui em Maceió, caso não fosse pelo ruivo dos seus cabelos.

Jorge, meu marido, babão que é com a Manu, enaltece qualquer feito da menina. Ele faz questão de guardar cada desenho da nossa filha em álbuns que abarrotam as gavetas do armário da sala. Se recebemos visitas, lá vai o homem mostrar os talentos da garota, como se ela fosse Pablo Picasso. Confesso que dois ou três são até bonitinhos, mas nada que pudesse ser exposto em alguma galeria.

A xícara com várias digitais da Manu, feita há dois anos, é a única que o Jorge toma café. De tão ciumento, ele não deixa que ninguém a toque, pois tem medo que quebrem. Meu esposo, assim que acaba de usá-la, vai até a cozinha e, cheio de dedos, a lava com o maior cuidado. Depois de seca, volta com a dita cuja e a guarda em uma caixa de papelão forrada com algodão. Se quebra, é possível que eu fique viúva.

Eis que aqui estou no escritório com um cliente. Sentado do outro lado da mesa, o sujeito me questiona sobre as chances de ganharmos uma causa trabalhista. Apesar do chamativo bigode que se mexe vigorosamente a cada palavra dita pelo dono, meus ouvidos estão suficientemente atentos para não perder o fio da história. Faço algumas perguntas, pois já não aguento ouvir aquela voz, até que, finalmente, exponho meu parecer. Cliente satisfeito, ele se levanta e me estende a mão.

Sozinha, tomo um gole de água, quando percebo uma mensagem no celular. É o Jorge, que disse que a diretora da escola da nossa filha ligou. Manu ralou o joelho, mas está bem. Não sei o que me deu, pois não sou dessas mães desesperadas. No entanto, quis ver a minha garotinha naquele instante. Além do mais, o colégio fica aqui perto do meu trabalho.

Dez minutos depois, estava com Manu no colo. Ela me deu um abraço e um beijo tão carinhoso, como se fosse eu que estivesse sofrendo. Olhei o joelho ralado da minha filha.

— Dói ou arde?

— Arde que dói, mamãe!

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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