10 mãos
Pai e filhos espíritos de porco governam o País
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emO Brasil está sendo governado por 10 mãos – as do presidente Jair Bolsonaro e dos seus filhos 01, 02, 03 e mais recentemente, as caçula 04. Isso é um fato e é ruim para o país, afirma o deputado federal Delegado Waldir (PSL-SP). Embora integrante da base di governo, p parlamentar observa que à medida que o pai avança em seu terceiro ano de mandato, fica cada vez mais claro o papel que seus filhos parlamentares Flavio, Carlos e Eduardo e o neófito Jair Renan desempenham na agenda e nas decisões do Planalto.
Em comum, os quatro são investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público por crimes que vão da prática de rachadinha e contratação de funcionários fantasmas a tráfico de influência. Mas os herdeiros do mandatário também partilham outros papeis informais, seja na articulação política ou no papel de conselheiros do pai, segundo interlocutores do Planalto ouvidos por este jornal. “Eles acabam governando em conjunto. Estão todos na política, e é óbvio que por estar ali ajudam na tomada de decisões”, conclui o parlamentar.
No início do seu mandato, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), chegou a ser recebido no Palácio do Planalto para tratar de pautas do seu Estado na presença de Flavio Bolsonaro e do filho mais novo do presidente, Jair Renan, então com 20 anos, que nem mesmo exerce um cargo público. Renan é filho do segundo casamento de Bolsonaro, com Ana Cristina Valle. Os três mais velhos são filhos de Rogéria Nantes Nunes Braga, que até hoje usa o sobrenome do ex-marido nas redes sociais e politicamente (foi candidata a vereadora no Rio no ano passado, mas não foi eleita). O caçula, agora com 22, transita pelos corredores do Planalto, em papel ativo, embora a família não admita. O filho 04 tornou-se empresário do ramo de eventos usando o nome do pai com a Bolsonaro Jr Eventos e Mídia, criada em novembro de 2020. A empresa fica num espaço comercial dentro do estádio Mané Garrincha, em Brasília.
Até então o jovem somente administrava seu canal no YouTube voltado para jogos eletrônicos, os e-sports. No dia 13 de novembro, ele articulou uma reunião entre o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e empresários da Gramazini Granitos e Mármores —companhia que patrocina a sua empresa de eventos. O encontro não constava na agenda oficial de Marinho, e foi revelado pela revista Veja. Indagado sobre o ocorrido à época, o ministério divulgou nota afirmando que o filho do presidente “participou na qualidade de ouvinte e por acreditar que o sistema construtivo teria potencial de reduzir custos para a União”. Mas, segundo a publicação, Renan teria recebido de presente da Gramazini um carro avaliado em 90.000 reais. As revelações da revista levaram a Polícia Federal a abrir uma investigação sobre o o caso.
A defesa de Jair Renan, comandada pelo advogado Frederick Wasseff, nega as acusações, e alega “perseguição” aos filhos do presidente. “Alguém de má fé criou uma fake news de que Renan Bolsonaro recebeu um carro, dando a entender que ele agiu assim para se beneficiar. O Renan não tem nada a ver com o Governo, ninguém no Governo ajudou o Renan”, disse ele por mensagem. Wasseff também foi advogado do senador Flavio Bolsonaro. Foi na casa de Wasseff que a polícia prendeu o ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz no ano passado, que se escondia da polícia e hoje está em prisão domiciliar respondendo a inquérito sobre a rachadinha, a partilha de salários de funcionários durante os mandatos de Flavio como deputado estadual.
Eleito senador pelo Rio de Janeiro em 2018, Flavio se destacou nos últimos meses como um fundamental articulador político do Planalto no Congresso. “O Flávio tem um relacionamento muito bom com os líderes partidários na Câmara e no Senado, coisa que o pai dele não tem”, diz o deputado Waldir. O parlamentar credita ao filho 01 a aliança do Governo com o bloco conhecido como Centrão, o que —ainda que temporariamente— blinda o presidente de dezenas de pedidos de impeachment que foram protocolados, a maior parte devido ao comportamento irresponsável do mandatário durante a pandemia. “O alinhamento do Centrão foi costurado pelo Flávio. A ideia já era antiga, mas o Eduardo [Bolsonaro] sempre foi muito radical e se opunha a esta aliança. Foi o senador que abriu portas para que os parlamentares se aproximassem”, afirma Waldir.
A costura de acordos para garantir uma base de apoio para o Governo no Congresso, no entanto, não é a única função de Flávio, que é o pivô do escândalo das rachadinhas, investigado pelo Ministério Público do Rio. A indicação do novo ministro da Saúde, o médico Marcelo Queiroga para o lugar de Eduardo Pazuello, teria partido do filho 01. Queiroga é amigo do sogro do senador, o cardiologista Hélio Figueira, como informou o jornal O Globo. Na disputa pelo cargo, o indicado de Flavio desbancou o nome sugerido pelo Centrão, a doutora Ludhmila Abrahão Hajjar. Ela chegou a se encontrar em Brasília com o presidente. A reunião contou com a presença do filho Eduardo, que a questionou sobre aborto e armas de fogo, segundo ela.
A presença dos filhos do presidente em reuniões reservadas não constam da agenda oficial do Planalto. Apenas no dia 27 de janeiro Eduardo é mencionado na reunião com a presença de outros 28 deputados federais da base aliada. Mas o deputado, que tinha aspirações de se tornar embaixador brasileiro em Washington, não deixa de divulgar algumas participações em suas redes sociais. Em 15 de março, por exemplo, o deputado esteve presente em uma videoconferência do presidente com o rei Hamad bin Isa al Khalifa, do Bahrein. “Percebemos no Oriente Médio um gigantesco campo de oportunidades no agro, comércio e semelhante visão de mundo quando se fala em trabalhar pela paz”, escreveu em uma rede social.
Ex-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Eduardo se mostra alinhado aos interesses com as petro-monarquias árabes. Além do Bahrein, apenas este ano ele também participou de encontros ao lado do pai e do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, com representantes dos Governos do Kuwait e Emirados Árabes Unidos. Todos estes eventos constam na agenda oficial do Planalto, mas sem seu nome. Eduardo também já fez menções públicas de agradecimento ao príncipe Mohammad bin Salman assim como ao mandatário húngaro de ultradireita Viktor Orbán. Em março, participou de uma missão oficial do Planalto em Israel para conhecer um spray nasal contra a covid-19 que ainda está em fase de testes.
As movimentações de Eduardo não se restringem a questões de política externa. No dia 12 de fevereiro ele estava ao lado do presidente e do ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, em cerimônia de entrega de títulos de propriedade para 120 moradores de Alcântara, no Maranhão. De acordo com Pontes, a presença do deputado se justificava pelo papel que ele teve na liberação de emendas para a construção do centro de lançamento de satélites no local: “Queria agradecer ao deputado Eduardo Bolsonaro que participou aqui da construção do Centro de Alcântara com emendas para decolagem desse centro”, afirmou o ministro na ocasião.
Em julho de 2019, quando Eduardo pleiteava o cargo de embaixador dos Estados Unidos, Bolsonaro foi acusado de nepotismo, e rebateu. “Pretendo beneficiar filho meu, sim. Se eu puder dar um filé mignon para o meu filho, eu dou”, afirmou. Eduardo é foco de uma apuração preliminar da Procuradoria-Geral da República sobre pagamentos em dinheiro vivo na aquisição de dois imóveis na zona sul do Rio entre 2011 e 2016. Também foi citado e interrogado no inquérito de atos antidemocráticos que incentivavam o fechamento do Supremo Tribunal Federal.
Renan, por sua vez, já aproveitou de seu trânsito no Palácio para pleitear pautas específicas na área em que atua. Em agosto de 2020 ele se reuniu com o secretário de Cultura, Mário Frias, para tratar do “futuro dos e-sports”, de acordo com postagem feita por ele mesmo nas redes sociais. O filho 04 teria atuado junto ao Governo para conseguir a redução no IPI do setor de videogames, que deve resultar em renúncia fiscal acima de 80 milhões de reais para os cofres públicos.
A presença dos filhos do presidente nas agendas política é tamanha que já foi normalizada por alguns parlamentares. O senador Jorginho Mello (PL-SC), teve uma reunião com o presidente em 25 de fevereiro para discutir um projeto de lei que beneficia os caminhoneiros. Lá estava o filho 03, tomando café ao lado do senador e de seu pai. “Eu acho normal [a participação dos filhos]. Eles tomam café da manhã juntos com frequência. É difícil ter reunião com alguém do Governo sozinho, sempre tem mais gente, mesmo nos ministérios. Penso que isso é positivo, evita conversas sigilosas”, diz Mello.
Nem todos acham que a participação dos filhos em assuntos do Governo é algo a ser comemorado. “Essas discussões no seio familiar deles não vejo problema, mas ao levar para dentro do Governo você acaba institucionalizando essas relações”, afirma o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP). Ele cita como exemplo a ida de Eduardo à reunião com a doutora Ludhmila Hajjar em 14 de março. “Levar um filho para dentro do palácio para participar de reunião importante como essa atrapalha. Fica ruim para a credibilidade do presidente até mesmo no Congresso”, diz. Fica sempre no ar a questão: os filhos do presidente falam por ele? O Governador João Doria, hoje arquiinimigo de Bolsonaro, vai além. “Ditadores gostam de governar com aduladores, corruptos e familiares. São populistas e mentirosos. E não hesitam no uso da força, da censura e da intimidação”, disse Doria à Carla Jiménez, que é alvo constante de perseguição dos filhos e seus milhões de seguidores nas redes sociais.
Além de Flávio e Eduardo, o filho 02, Carlos Bolsonaro, que é vereador pelo Rio de Janeiro mas fez de Brasília seu segundo lar, também tem um papel chave no Governo. Após ter tido atuação crucial na estratégia de campanha do pai em 2018 (marcada pela disseminação de fake news e desinformação) ele agora é acusado de chefiar o chamado Gabinete do ódio, também conhecido como uma espécie de Secretaria de Comunicação informal do Governo, que atua dentro do próprio Planalto. Ele chegou a ser interrogado pela PF em 2020 no inquérito dos atos antidemocráticos, que teria como um dos pilares a atuação do gabinete paralelo comandado pelo vereador.
Apesar de ser conhecido por sua verborragia e ataques a opositores nas redes sociais, Carlos é discreto quanto às suas movimentações em Brasília —a reportagem indagou o vereador sobre suas viagens à capital, sem sucesso. É mais discreto nas redes sociais, diferentemente de Eduardo, que alardeia todas as suas agendas palacianas. Mas o papel do filho 02 nas estratégias do Governo é do conhecimento de todos. “O Carlos é um cara forte na formulação da questão ideológica nas redes sociais, que foi o grande motor da eleição do presidente da República”, diz o deputado Delegado Waldir.
Bolsonaro não é o primeiro presidente cujos descendentes foram acusados de se beneficiar da relação familiar nem no Brasil nem fora. O poder imanta a família que o possui e é chamariz para lobbies. O filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Paulo, foi acusado em 2016 de ter se beneficiado de um negócio da Petrobras, o que ele nega. O ex-diretor da Petrobras e delator Nestor Cerveró disse ter sido orientado pela direção da estatal a fechar um contrato com a empresa ligada ao filho do tucano no fim dos anos 2000. Já Fabio Luís Lula da Silva, o Lulinha, é alvo de investigação por suspeita de receber mais de 100 milhões de reais em repasses do grupo Oi/Telemar para sua empresa. O valor seria uma contrapartida por atos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para beneficiar o setor de telecomunicações, o que a defesa de Fabio Luís nega.
Maristela Temer, filha de Michel Temer, chegou a ser denunciada pelo crime de lavagem de dinheiro e associação criminosa, por suspeita de que a reforma de sua casa tenha sido paga com dinheiro desviado de obras da usina nuclear de Angra 3. Mas uma coisa é clara: nenhum filho desfrutou de livre acesso ao Planalto aos ministérios como os Bolsonaro. Os filhos de Bolsonaro vem negando qualquer irregularidade. A reportagem entrou em contato com a assessoria de Carlos, Eduardo, Flávio e do Planalto questionando o papel deles no Governo, eventuais problemas éticos desta atuação e a falta de transparência da agenda oficial do presidente. Não obteve resposta até o momento da publicação deste texto.