Comunidades tradicionais e agricultores familiares que cultivam palmeira-juçara podem se cadastrar em programa da Fundação Florestal que vai comprar 28 toneladas de sementes da espécie. A entidade visa ao repovoamento da palmeira em regiões de Mata Atlântica, além de oferecer alternativa de trabalho sustentável às comunidades. A palmeira-juçara, da qual é extraído o palmito tipo juçara, está ameaçada de extinção.
Planta nativa da Mata Atlântica brasileira, a palmeira-juçara faz parte da cadeia alimentar para diversas espécies da fauna silvestre. Aves como tucanos, jacutingas, jacus, sabiás e arapongas são os principais responsáveis pela dispersão das sementes, e mamíferos como cotias, antas, catetos e esquilos se beneficiam das suas sementes e frutos. Em decorrência de exploração descontrolada para a retirada do palmito, a palmeira tornou-se restrita a poucas Unidades de Conservação e áreas protegidas particulares.
O diretor-executivo da Fundação Florestal, Rodrigo Levkovicz, explicou que o papel da palmeira-juçara. “Na Mata Atlântica ela é responsável pela alimentação de 68 tipos de animais diferentes, e ela frutifica numa época em que a floresta é escassa, o que reforça a importância da palmeira. Ela foi muito explorada por palmiteiros, pessoas que, na verdade, não tinham outra opção de vida”.
Ele destacou que os palmiteiros, em geral, são pessoas que não tinham outra opção de trabalho e viam na floresta o sustento. “O paradigma que estamos querendo mudar é dar valor à palmeira em pé, tirar essas pessoas que hoje vivem numa situação muito degradante do corte ilegal do palmito e começar a incentivá-las a cultivarem a palmeira e fazerem ela ganhar valor em pé”, disse.
Além da questão ambiental, o Programa Juçara procura apoiar as comunidades tradicionais por meio do estímulo a uma produção que propicie uma existência digna e a preservação de seus modos de vida. O chamamento público vai ajudar a identificar fornecedores de sementes de palmeira-juçara dentre as mais de 30 comunidades localizadas no Vale do Ribeira, no estado de São Paulo, e no entorno da Serra do Mar.
A compra de sementes é uma parte do programa que foi idealizado para no mínimo 10 anos, com metas para cada ano. Depois da compra de sementes, a fundação pretende fazer o plantio, oferecer educação ambiental sobre o cultivo da palmeira-juçara, além de incentivar a autonomia das comunidades e pequenos agricultores para o desenvolvimento de uma cadeia de produção sustentável.
“Temos a confiança de que as palmeiras estarão plantadas, as pessoas vão poder cortar algumas palmeiras para fazer o palmito e vamos ter estabelecido um ciclo virtuoso e deixado uma cadeia sustentável, tirando essas pessoas – que são os palmiteiros – de condições degradantes para serem produtores do juçara e das suas milhões de capacidades, desde o suco, o pão, a cerveja e do próprio palmito. É um projeto bem abrangente”, disse Levkovicz.
Ele conta que essa é uma cadeia que não está formatada ainda, mas que as comunidades e pequenos agricultores que plantam a palmeira-juçara são conscientes quanto à preservação. “Tem aquelas pessoas e comunidades que botam no seu quintal para os animais e isso é muito bonito, visitamos várias comunidades e eles falam ‘mas não pode vender tudo, tem que deixar um cacho [de sementes] para a natureza’.”
Levkovicz acrescenta que o papel da fundação é dar um impulso econômico e ajudar a construir uma cadeia sustentável para que todo mundo saia ganhando.“Temos muita certeza de que, dando incentivo adequado, essas pessoas vão ser nossas aliadas na conservação da biodiversidade”, finalizou.
Tradição
O agricultor familiar Vandir Rodrigues da Silva, que completou 70 anos no último domingo (18) e vive em uma comunidade tradicional no sul do estado de São Paulo, planta a palmeira-juçara na sua propriedade, entre outros alimentos. Nascido e criado no Quilombo de Ivaporunduva, no município de Eldorado, ele mora com a companheira e com um de seus filhos. Desde criança, com o pai, trabalha na agricultura e, hoje, fala com orgulho de sua produção.
Ele conta que planta de tudo um pouco: arroz, feijão, milho, mandioca, palmito pupunha, mas o forte mesmo é a banana. Antes da pandemia, as atividades de turismo também ajudavam a complementar a renda, mas agora, sem receber visitantes por causa da pandemia, é a produção de banana que tem sido a principal fonte de recursos. Ainda assim, como as vendas também andam meio paradas, o jeito é apostar nos alimentos que produz em sua propriedade.
Apesar de cultivar, a família de Vandir não faz o manejo da palmeira e não tem interesse no corte para extração de palmito. Mesmo assim, eles sabem que, para retirar uma quantidade de palmeiras, precisa deixar outras: “se fosse para cortar, cada 50 matrizes, cortava 20, deixava 30, isso serve para fazer o manejo de corte, mas a gente não tem interesse em fazer corte no palmito nosso aqui, não”, diz Vandir.
“Aqui a gente já vem aprendendo com os mais velhos desde criança. Os nossos mais velhos não tinham nada de legislação, não existia nada de lei, mas eles já sabiam que, pra usar as coisas da natureza, a gente tem que usar um pouco e deixar um pouco. Isso já vem desde a criação dos mais novos. Nossos mais velhos não sabiam nada, nem ler nem escrever, não tinha escola aqui, mas eles já sabiam como é que fazia com a natureza: ói, se tira um, deixa dois, porque esses dois podem produzir depois. Assim é no palmito, assim é no fazer a roça”, contou Vandir sobre o aprendizado das plantações. Ele acrescentou que as leis vieram depois e ajudaram nessa conservação ambiental.
O produtor conta que, nos anos de 1970 e 1980, houve uma grande invasão de corte de palmito em todo o Vale do Ribeira. Com isso, a palmeira, antes abundante, foi se extinguindo. Foi aí que surgiu a ideia de plantar a palmeira-juçara em sua propriedade. Com o edital da Fundação Florestal, eles esperam poder vender as sementes, mantendo o plano da família de não cortar a palmeira para extração do palmito.
“Aqui a gente planta a palmeira-juçara mais é pra recuperar, porque ela entrou em [risco de] extinção e até hoje não conseguiu sair porque tem muito pouco. Então a gente tem uma área aqui só com palmito que é pra gente ter uma amostra porque no mato mesmo já não está tendo mais, só tem mais nas áreas das casas. Aqui, a gente recuperou aqui uma área de uns 30 hectares só de palmito”, contou Vandir.
O agricultor ainda não tem a papelada pronta, necessária para participar do edital, mas conta com o auxílio de uma associação local para conseguir regularizar sua situação. O edital fica aberto até as 16h do dia 28 de abril. Podem se cadastrar associações, cooperativas de pequenos agricultores e pessoas físicas com origem em grupos de agricultores familiares assentados, quilombolas e demais comunidades tradicionais. O valor a ser pago pela Fundação Florestal aos produtores selecionados equivale a R$ 7,52 por quilo.