Curta nossa página


Causas distintas

Pandemia evitou que 300 mil crianças nascessem no Brasil

Publicado

Autor/Imagem:
Paula Adamo Idoeta - BBC News/Carolina Paiva, Edição

A pandemia de covid-19 está tendo efeitos nada desprezíveis na demografia brasileira e mundial, embora os impactos de longo prazo dependam, na prática, de quanto tempo levaremos para conter de vez o coronavírus.

São menos bebês nascendo, mais divórcios e, tristemente, um número impressionante de mortes: 195 mil mortos oficialmente contabilizados no Brasil em 2020, e mais 338 mil mortos em 2021 até agora. O total já ultrapassa 536 mil.

Esse cenário fez com que não se cumprissem as previsões populacionais feitas previamente para 2020 e 2021, como observa José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador aposentado do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Diniz Alves analisou o comportamento da população brasileira no último ano e meio e identificou fatos importantes – alguns deles inéditos em um país que cresce sem parar desde que foi colonizado pelos europeus, cinco séculos atrás.

Confira alguns deles:

1) Menos nascimentos
Quem imaginava que o enclausuramento provocado pela pandemia provocaria um “baby boom” se enganou, explica Diniz Alves à BBC News Brasil.

“A pandemia provocou uma queda na natalidade no mundo inteiro”, diz. “Quem pôde adiar a maternidade, no caso de casais jovens, adiou. (…) Mesmo que tivesse havido mais sexo (entre pessoas quarentenadas em casa), hoje em dia existe uma separação entre sexo e reprodução. Houve muito medo de a mulher grávida ficar doente, medo de o hospital estar sobrecarregado. Basta adiarem-se 20% dos nascimentos para haver um impacto grande na taxa de natalidade.”

Esse impacto já foi sentido em 2020, de gestações possivelmente adiadas logo nos primeiros meses do ano. Enquanto houve em 2019, quase 2,8 milhões de bebês nascidos no país, no ano passado esse número caiu para pouco mais de 2,6 milhões, segundo o Portal da Transparência do Registro Civil.

Se considerarmos que a projeção do IBGE era de que o Brasil teria 2,9 milhões de bebês nascidos no Brasil em 2020, tivemos, na prática, 300 mil bebês a menos do que o esperado.

E Diniz Alves explica que essa redução deve se aprofundar ainda mais neste ano, porque os adiamentos de gestações provavelmente continuaram ao longo do ano passado e do primeiro semestre deste.

O aumento no número de divórcios (15% a mais apenas no segundo semestre de 2020, em relação ao mesmo período de 2019) e a queda no número de casamentos também contribuem para menos concepções de bebês.

Vale lembrar que esse fenômeno não é inédito: por exemplo, quando eclodiu a epidemia de síndrome congênita da zika em bebês, entre 2015 e 2016, também houve um recuo momentâneo na natalidade do Brasil, diante do medo das mulheres em engravidar.

A expectativa, prossegue Diniz Alves, é de que, passado o coronavírus, a taxa de natalidade brasileira volte aos patamares anteriores à pandemia, na casa dos 2,8 milhões de bebês por ano.

Uma ressalva: isso é muito abaixo dos 4 milhões de bebês que nasciam anualmente no Brasil na década de 1980 – e a culpa é da transição demográfica brasileira, sobre a qual falaremos no final desta reportagem.

2) Crescimento menor que previsto
Antes de a pandemia eclodir, o IBGE havia projetado que o Brasil veria sua população aumentar em 1,574 milhão de pessoas no ano passado.

No entanto, diante da baixa na taxa de natalidade, das mortes por covid-19 e da sobrecarga do sistema de saúde, o país terminou 2020 com 1,159 milhão de pessoas a mais, segundo o Portal da Transparência do Registro Civil.

“Portanto, a grosso modo, podemos dizer que o impacto da pandemia foi reduzir o crescimento populacional em 415 mil pessoas em 2020”, explica Diniz Alves.

Isso deve se intensificar neste ano: com ainda mais mortes por covid-19 do que no ano passado e menos nascimentos, “o Brasil deve ter 1 milhão de pessoas a menos do que estava previsto nas projeções do IBGE para 2021”, prossegue o demógrafo.

3) População chega a encolher
Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, os Estados com maior proporção de população mais velha, registraram mais mortes do que nascimentos entre janeiro e maio de 2021.

Foi uma variação breve e temporária – decorrente, obviamente, do pico de mortes por covid-19 -, mas muito importante: trata-se da primeira vez que isso acontece na história do país.

“É uma grande e inédita novidade para a demografia brasileira, (…) que tem uma história de 521 anos de crescimento demográfico contínuo e ininterrupto”, escreveu Diniz Alves em artigo.

Eis os dados: segundo o Portal da Transparência do Registro Civil, o Estado fluminense teve 79.038 nascimentos e 79.570 óbitos de 1° de janeiro a 29 de maio deste ano.

Ou seja, houve uma redução vegetativa de 532 pessoas no período, explica o demógrafo.

No Rio Grande do Sul, foram 53.832 nascimentos no período, e 54.218 óbitos. Na ponta do lápis, uma população com 386 pessoas a menos.

A expectativa de Diniz Alves é de que a população desses Estados termine o ano de 2021 praticamente “empatada”, sem decréscimos ou aumentos consideráveis.

4) Menor crescimento em décadas
O caso fluminense e gaúcho é único, mas outros Estados brasileiros viram suas populações morrerem como nunca antes por causa da covid-19 – ao mesmo tempo em que os nascimentos nunca foram tão baixos.

Vejamos o caso de São Paulo, que lidera, em números absolutos, as mortes por covid-19 no país. Um levantamento da associação de cartórios (Arpen-SP) mostrou que, no primeiro semestre deste ano, morreram 248 mil pessoas no Estado, número recorde e 84% acima da média para o período.

Os nascimentos, por sua vez, foram 12% menores do que a média: 277 mil. Trata-se, então, do menor crescimento populacional em décadas no Estado paulista.

5) Brasileiros vivem menos dois anos
Em entrevista à BBC News Brasil em abril, a demógrafa Márcia Castro, professora da Faculdade de Saúde Pública de Harvard (EUA), apontou que a pandemia fez o brasileiro perder quase dois anos de expectativa de vida em 2020.

Em média, bebês nascidos no Brasil em 2020 viverão 1,94 ano a menos do que se esperaria se não tivesse havido a pandemia. Ou seja, 74,8 anos em vez dos 76,7 anos de vida anteriormente projetados.

A queda interrompe pela primeira vez um ciclo de crescimento da expectativa de vida no país que havia se iniciado em 1945, quando nossa esperança de vida era de 45,5 anos em média.

Será que essa queda na expectativa vai ser revertida no pós-pandemia? José Eustáquio Diniz Alves explica que alguns demógrafos acreditam que sim; outros, como ele, são mais céticos.

Temos um alto número de brasileiros infectados com o coronavírus – mais de 19 milhões de pessoas -, e uma parcela deles pode sofrer da chamada covid longa, que são as complicações de longo prazo na saúde provocadas pela covid-19.

Esse impacto da covid longa na mortalidade é que vai influenciar se os óbitos vão voltar aos patamares anteriores, pré-pandemia, ou continuar a sofrer as influências dela, opina Diniz Alves.

6) Impacto na transição demográfica
Mesmo antes da pandemia, a população brasileira já estava em transição demográfica e tornava-se cada vez mais envelhecida – ou seja, está diminuindo a proporção de crianças e jovens enquanto aumenta a proporção de adultos idosos.

As projeções indicam que, por volta de 2047, as curvas de natalidade e de óbitos vão se encontrar. É a partir daí que a população brasileira deve começar a encolher: vai nascer menos gente do que vai morrer anualmente.

A covid-19 antecipou momentaneamente esse fenômeno, explica Diniz Alves, embora a expectativa é de que esse impacto da pandemia seja temporário.

Mas tudo vai depender de o quanto conseguiremos, de fato, controlar o coronavírus.

“O efeito da pandemia é conjuntural, mas pode manter os óbitos elevados e a natalidade mais baixa, dependendo do pós-pandemia – se ela acabar de vez, é uma coisa. Se (a covid-19) virar algo endêmico, daí o efeito na população pode ser mais permanente”, afirma o demógrafo.

De qualquer modo, essa transição demográfica prevista para 2047 está em curso – e esse curso dificilmente será alterado. O que significa que precisaremos adaptar as políticas socioeconômicas para um país que terá menos crianças e mais idosos.

Isso já ocorre em países mais desenvolvidos e envelhecidos, como Japão e Coreia do Sul – neste último, antigas escolas infantis, que haviam perdido a serventia, estão sendo adaptadas para servir a idosos, por exemplo.

Maternidades tendem a ser fechadas em países onde há menos nascimentos. E a Previdência Social sente o baque, quando há menos jovens contribuindo para o bolo e mais aposentados necessitando de dinheiro de aposentadoria.

Novamente, essa tendência de desaceleração no crescimento populacional não é exclusiva do Brasil: deve acontecer também em outras partes do mundo, da China à Europa Oriental, salvo algumas exceções (como a África Subsaariana, onde o crescimento populacional deve se manter).

Mas com um planejamento responsável e com políticas focadas no bem-estar das pessoas, a redução populacional tende a ser benéfica para o planeta em geral, opina José Eustáquio Diniz Alves.

“Essa ideia que vem desde a Revolução Industrial (em meados do século 18) de que é bom crescer sempre e ter mais coisas é incompatível com os recursos da Terra e com as outras espécies, pela pressão enorme sobre o meio ambiente”, explica.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2024 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.