Sintomas do isolamento
Pandemia faz crescer drama da bebida alcoólica
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emO isolamento, o desemprego e a desorganização de rotinas causados pela pandemia estão levando a um aumento no consumo de álcool em diferentes locais do mundo.
No Reino Unido, a organização British Liver Trust reportou um aumento de 500% na quantidade de ligações recebidas por seu centro de apoio ao alcoolismo desde o início da quarentena, em março.
No Brasil, uma pesquisa sobre comportamentos realizada pela Fiocruz entre abril e maio identificou, na época, um aumento médio de 18% no consumo de álcool, entre homens e mulheres. A faixa etária com o maior aumento (25%) era a de 30 a 39 anos.
“O aumento no consumo de álcool foi associado à frequência de se sentir triste ou deprimido: quanto maior a frequência, tanto maior o aumento no uso de bebida alcoólica”, dizia a pesquisa.
“O isolamento social e a falta de conexão humana são grandes fatores por trás da razão que leva algumas pessoas a recorrer ao álcool. Então é claro que a pandemia continua sendo muito dura para muita gente”, diz Laura Bunt, da organização britânica de apoio We Are With You.
A seguir, relatos de britânicos a respeito das dificuldades em enfrentar a dependência de álcool em plena pandemia.
“Com o lockdown (quarentena obrigatória no Reino Unido), pensei que todos fôssemos morrer, então fiquei bêbada durante uma semana inteira.
Me protegia para não perder meu emprego. Sabia que ia beber, então liguei para o trabalho (avisando) que eu tinha uma licença médica. A covid-19 era um bom acobertamento: ninguém está te vendo, dá para fazer tudo pelo telefone.
Como alcóolatra, sou muito manipuladora. E sou uma ótima mentirosa quando estou bêbada.
Comprei seis garrafas de vinho, uma de vodca e uma de conhaque. Eu só queria morrer. Realmente queria me matar. Me sentia um fracasso completo, e que não havia nenhum caminho adiante.
Mesmo enquanto bebia, tampava o meu nariz – eu nem gostava do sabor do álcool. Queria só beber rápido para cair no esquecimento.
“Com o lockdown, pensei que todos fôssemos morrer, então fiquei bêbada durante uma semana inteira”
Eu não tenho nenhum plano B. Ninguém vai me socorrer. Não tenho para onde me virar; sequer consigo ir à igreja aqui ao lado.
É difícil, mas uma vez que você aceita algo, que não pode mudar, tem que trabalhar com o que você tem.
Há muita esperança lá fora, tanta vida a ser vivida sem álcool ou drogas. E tudo o que sobrou na minha lista é a prisão ou a morte, e não quero nenhuma delas. Já perdi empregos por causa dele (álcool), perdi meus filhos, minha casa e minha dignidade.
Durante o lockdown, perdi a cabeça durante alguns dias. É o pior tipo de situação para qualquer pessoa, (mas) principalmente para alcóolatras, viciados e pessoas com problemas de saúde mental, na hora de se isolar.
Mas consegui retomar meu rumo. Estou sóbria há dois meses. A depressão ainda persiste. Se eu não beber, consigo lidar com ela. Mas, no minuto em que pego um drinque, já era.
Passo muito tempo em casa sozinha, e isso é difícil. Já tive recaídas antes, mas hoje em dia eu telefono para um amigo para conversar, eu leio. Graças a Deus a biblioteca foi reaberta, foi a minha salvação.
Alguns encontros dos Alcóolicos Anônimos ocorreram, mas restritos a 20 pessoas, por questões sanitárias. Eles estão tendo que ir contra uma de suas poucas tradições, que é a de não recusar (a entrada de) ninguém.
No começo (da pandemia), quando eu tive uma recaída, tinha na cabeça que todos íamos morrer. Agora já tenho outra perspectiva, e estou de volta no meu caminho.”
“Pessoas com vício não devem se isolar, (porque) a cura é a conexão. Quando você está desconectado de tudo, é difícil”, diz Joseph Harrington
Minha experiência com alcoolismo e vício em drogas começou cedo. E se tornou um problema no fim da minha adolescência. Eu acordava toda manhã ou no meio da noite já sentindo a abstinência.
Ficava mal constantemente, com coceiras, febres, alucinações e daí vinha uma sensação de luzes claras ao redor da minha visão; antes que eu me desse conta, ficava fora de mim. Quando eu bebia, ficava semiconsciente e paralisado.
Aos 29 anos, em tratamento, fui diagnosticado com uma doença chamada ataxia cerebelar, que é uma cicatriz na parte de trás do cérebro que afeta o córtex cerebral – a parte que manda mensagens do cérebro à espinha e ao resto do corpo. Isso me fazia ter convulsões e não conseguia andar.
Com 31 anos, eu estava em uma cadeira de rodas. O dano que causei é permanente. Tenho dores crônicas, e as terminações nervosas foram danificadas.
É como se eu estivesse coberto de lava, com uma sensação constante de queimação no corpo.
Morando sozinho, o lockdown foi muito isolador e difícil. Minha saúde mental não estava boa. Me sentia isolado, preso e solitário.
Não podia sair de casa e não havia muito apoio no início. Não havia reuniões (de grupos de apoio, a igreja estava fechada. Foi muito emotivo. Não ver as pessoas cara a cara é uma experiência bastante assustadora.
Pessoas com vício não devem se isolar, (porque) a cura é a conexão. Quando você está desconectado de tudo, é difícil.
Conheço muita gente querendo voltar às reuniões de apoio. Eu só voltarei quando achar que é seguro. Por enquanto, estou vivendo um dia de cada vez.”
“Quando meu marido bebe, é como ‘o médico e o monstro’. Sóbrio, ele é gentil, generoso, leal, engraçado, amoroso. Assim que pega uma bebida, sua personalidade vira”
“Meu marido e eu estamos juntos há 19 anos e ele é um homem bom. Não escolheria (beber) se tivesse essa escolha.
Quando ele bebe, é como ‘o médico e o monstro’. Sóbrio, ele é gentil, generoso, leal, engraçado, amoroso. Assim que pega uma bebida, sua personalidade vira, se torna o oposto.
Ele nunca foi fisicamente violento comigo, mas é mentalmente muito abusivo e muito destrutivo daquilo que o rodeia.
Ele bebe até vomitar, quando obviamente já não consegue mais continuar bebendo. Ele vai de uma garrafa de vinho por dia até seis garrafas por dia, se não mais, e daí temos de chamar os paramédicos e ir ao hospital.
Quando ele volta do hospital, fica sem beber por cerca de um mês e meio. E daí começa tudo de novo.
Quando ele está bêbado, tenho que mantê-lo longe de objetos afiados, esse tipo de coisa. É como se eu estivesse cuidando de uma criança pequena.
Tivemos um episódio durante o lockdown em que a polícia apareceu. Ele estava chamando uma ambulância por telefone e precisou me dar o aparelho porque não conseguia nem falar. A telefonista o ouviu gritando e chamou a polícia.
Claro que a reabertura dos pubs dificultou tudo, agora ele está lá bebendo. E quem bebe muito não lembra de manter o distanciamento social.
Sei que não tenho controle sobre o alcoolismo dele, já aceitei que não há nada que eu possa fazer.
É a minha escolha. Só porque ele está doente não significa que eu deva deixá-lo. Aproveito os momentos em que ele está sóbrio, porque ele é o amor da minha vida.”