A pandemia causada pelo coronavírus está modificando a forma como vivemos as nossas casas. Já incorporado à rotina doméstica, o home office hoje divide espaço com a sala, ao mesmo tempo que áreas reservadas para a prática de exercícios físicos já ocupam boa parte do quarto. Mas em nenhum outro ambiente o impacto foi tão evidente quanto no hall de entrada.
Tomado, até há pouco, como uma espécie de cartão de visitas da casa – quando não como mera zona de passagem –, em tempos de isolamento ele ganhou novo significado, além de um total redesenho. Simbolicamente apresentado como um espaço de proteção contra micro-organismos de todos os tipos – e não só do vírus da covid-19. Em muitos projetos ele já sugere uma área de desinfecção para moradores e visitantes. Mas tudo, claro, sem perder o charme.
“Sob todos os aspectos foi uma transformação radical. A ideia de descontaminação acabou influenciando a própria percepção estética do ambiente. Os acabamentos, além de bonitos, hoje devem facilitar a limpeza, assim como os móveis e acessórios”, afirma o arquiteto Marcelo Rosset, um dos convidados do Estadão para repensar o hall em tempos de pandemia.
“Pensei em um painel de madeira que reveste todas as paredes, inclusive a porta de entrada, unificando os revestimentos e reduzindo a presença de juntas entre materiais diferentes, o que pode acumular sujeira. Além dele, um armário com apenas 35 cm de profundidade acolhe todo equipamento necessário”, pontua Rosset.
Nela, a partir da porta lateral esquerda, o usuário tem acesso a uma bandeja corrediça que tem sua superfície revestida com tapete desinfetante para acomodar sapatos, além de ganchos para pendurar casacos e prateleiras para armazenar bolsas, utensílios e mesmo máscaras de proteção.
Já na parte central, o arquiteto embutiu um pufe, revestido com tecido antiviral, para facilitar a retirada e colocação dos sapatos. Logo abaixo dele, prateleiras deslizantes oferecem espaço extra para acomodar calçados, e, ao mesmo tempo, um espelho centralizado e iluminado confere maior amplitude ao ambiente. Por fim, na porta lateral direita, o arquiteto colocou um nicho embutido para colocar o álcool em gel e outro, logo acima, para receber chaves e pequenos objetos.
Sofisticados, “clean” na estética, tecnologicamente viáveis. Mas estariam os halls proposto pelos arquitetos realmente em condições de promover proteção antiviral para os moradores da casa e seus visitantes?
“Claro que a ideia de deixar calçados fora de casa para não levar a sujeira das solas para dentro é mais do que bem-vinda e pode ajudar a combater infecções causadas por muitos micro-organismos. Mas, no que diz respeito, especificamente, ao coronavírus, não existem estudos científicos que atestem este tipo de transmissão”, afirma a professora de infectologia da Unifesp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, Nancy Bellei.
Tomada pela profissional com ressalvas, a utilização de lâmpadas UV, outra das providências frequentemente adotadas pelos arquitetos na montagem dos novos halls, pode se mostrar também pouco efetiva quando o assunto é a covid-19. “Sim, alguns estudos apontam que a exposição à luz do sol pode inibir a proliferação do vírus em certas superfícies. Mas daí a concluir que a passagem de uma pessoa por um hall iluminado com essas lâmpadas promova a desinfecção há uma grande distância”, sintetiza ela.
Mas, ao que tudo indica, tal como o uso de máscaras, outra prática oriental associada à proteção contra contaminações, o hábito de retirar os sapatos antes de entrar em casa parece ter vindo para ficar. E já movimenta o mercado. “Mesmo antes da pandemia, a sapateira já era um pedido recorrente nos projetos personalizados que desenvolvo. Agora se tornou um item essencial”, atesta o designer Arildo de Andrade Azevedo, da Girante Móveis.
A ponto de, segundo ele, ter de incluir às pressas um móvel do tipo no seu catálogo, só para atender ao aumento da demanda.
“Pensei em um móvel multifuncional, que além de servir de assento para quem vai retirar o sapato pudesse funcionar como mesa lateral e até rack de som. Os espaços estão cada vez mais compactos e nem todo mundo dispõe de um ambiente específico na casa para funcionar como hall, não é mesmo?”
Minimalista e pensado para o apartamento de um casal de idosos, o hall proposto por outro de nossos convidados, o arquiteto Gustavo Passalini, investe também em marcenaria, do piso ao teto. É ela, por exemplo, que camufla a sapateira, que pode ser acessada por meio de um leve toque na porta.
“Para tornar o espaço mais acolhedor, o espaço traz dois perfis iluminados por fitas de LED. Já os espelhos, além de conferirem amplitude ao ambiente, servem ainda para dar aquela conferidinha no visual antes de entrar no elevador”, brinca ele.