Notibras

Para, anda, segue… a estrada está aberta para buscar um novo caminho

O carro não se move. O sol bate forte, entrando pela janela, quente e incômodo. Eu olho para o painel. O relógio marca 17h30. Deveria estar em casa agora, mas aqui estou eu, preso neste engarrafamento imbecil. A cidade parece um labirinto de metal e concreto, e eu sou apenas mais uma peça nesse quebra-cabeça caótico. O que eu estou fazendo aqui?

Olho para o motorista ao meu lado. Ele parece tão tranquilo, uma expressão serena no rosto enquanto ouve música. Como ele consegue? A ansiedade aperta meu peito como um abraço sufocante. Queria ter a mesma calma, mas não consigo evitar a avalanche de pensamentos que me invade.

Escolhas. Minhas escolhas. Cada uma delas me trouxe até aqui, neste momento exato, neste carro parado, neste engarrafamento interminável. Eu optei por esse trabalho, essa vida… Mas será que foi minha preferência? Ou fui empurrado por uma maré invisível de expectativas? A voz do meu pai ecoa na minha mente: “João Victor, você precisa ser alguém.” Mas quem eu sou?

O cheiro de gasolina invade o ar, uma brisa suave me invade e me faz lembrar das férias da infância com meus avós na praia. As risadas, a areia quente entre os dedos dos pés, a água salgada refrescando o corpo cansado sob o sol escaldante. Era liberdade pura — era felicidade. E agora? O que eu tenho? Um escritório sem janelas e prazos que nunca acabam?

A buzina de um carro me arranca do devaneio. Um motorista atrás de mim gesticula, irritado. Ele grita algo que não consigo ouvir, mas posso sentir sua frustração como se fosse minha também. Eu quero gritar de volta: “Você acha que eu quero estar aqui?” Mas me calo. Melhor não me envolver em uma briga inútil.

A mente continua a girar como uma roda-gigante descontrolada. E se eu tivesse feito escolhas diferentes? E se tivesse seguido meu sonho de ser artista? A pintura sempre foi minha paixão — as cores, as formas — tudo parecia tão simples quando eu segurava um pincel na mão. Agora é tudo tão distante… O que aconteceu com aquele garoto sonhador?

Um ambulante aparece à minha esquerda, vendendo água mineral. Ele se aproxima do meu carro com um sorriso desgastado pelo sol e pela vida.

“Água gelada! Refresque-se!” diz ele com uma voz animada que contrasta com a monotonia do trânsito. Eu olho para ele e sinto um impulso de comprar uma garrafa apenas para quebrar esse ciclo de pensamentos pesados.

“Quanto custa?” pergunto.

“Dois reais!” Ele sorri, dentes amarelados brilhando sob a luz do sol.

Pego algumas moedas e entrego a ele, sentindo a textura fria da garrafa em minhas mãos quando ele a entrega de volta. Um pequeno gesto que traz um instante de frescor à minha mente turva.

Mas logo volto aos meus devaneios — as memórias das noites em claro estudando para provas que nunca pareciam acabar; os planos que foram se desvanecendo com o tempo como as estrelas ao amanhecer; os sussurros da dúvida que sempre estiveram presentes: “Você é bom o suficiente?”

Então olho para o carro à frente e vejo uma família dentro dele — pai, mãe e duas crianças pequenas rindo e brincando com algo no banco traseiro. Um momento simples, mas tão cheio de vida. Sinto uma pontada no peito; é a saudade do que nunca tive ou talvez do que ainda posso ter.

O trânsito começa a andar lento agora; um alívio passageiro num mar de incertezas. As luzes vermelhas dos freios piscam ao meu redor como sinais de alerta em minha mente confusa: “Acorda! É hora de viver!” Mas como viver quando estou preso em um ciclo sem fim?

A voz interna grita por mudanças enquanto o motor do carro ronca suave ao retomar o movimento lento nas ruas congestionadas da cidade. O cheiro da água gelada na garrafa ao meu lado oferece uma sensação temporária de frescor, mas não apaga a sede por algo maior — por significado.

As ruas passam pela janela enquanto sigo em frente, sem saber para onde vou ou quem sou no meio dessa confusão toda.

E assim continuo dirigindo, cada quilômetro percorrido revelando mais sobre mim mesmo do que qualquer conversa ou reflexão poderia fazer… A estrada está aberta à frente; talvez seja hora de finalmente optar por um novo caminho — um caminho onde eu possa ser verdadeiro e livre de novo.

Mas primeiro preciso sair desse engarrafamento…

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