O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), José Múcio Monteiro, disse nesta quinta (18) que não se deve criminalizar a gestão pública a partir de generalizações, principalmente nesse momento de ações urgentes para salvar vidas em razão da pandemia do novo coronavírus (covid-19).
O ministro disse que os órgãos de controle devem “separar o joio do trigo”, e não só identificar e punir gestores municipais, estaduais e federais que se aproveitam da covid-19 para “melhorar de vida” às custas do dinheiro público destinado a ações de enfrentamento ao novo coronavírus, mas, principalmente, orientarem previamente os gestores que agem impelidos pela urgência de salvar vidas em meio a uma pandemia.
Em videochamada realizada pela Comissão Mista do Congresso Nacional, que acompanha a situação fiscal e a execução orçamentária das medidas relacionadas à pandemia, Monteiro admitiu que eventuais dispensas de licitação para compra e contratações emergenciais “retroalimentou o vírus da corrupção”. Segundo ele, alguns setores chegaram a ver na flexibilização das regras uma espécie de salvo-conduto, “a promoção de um liberou geral”.
“Em uma situação emergencial, é muito difícil distinguir quem quer salvar uma vida de quem quer melhorar sua vida”, admitiu Monteiro.
“Muitos malfeitos foram cometidos em nome de salvar vidas, mas só saberemos distinguir um malfeito do que foi bem feito depois que analisarmos tudo. O que faremos em algum momento, quando tudo isso passar”, disse Monteiro, explicando que, para não retardar contratações emergenciais, o TCU teve que mudar sua forma de trabalhar.
“Evidente que os órgãos de controle externo não estavam, e não estamos, preparados para trabalhar com tamanha urgência, tendo que resolver as coisas em minutos. Seja no âmbito federal, estadual ou municipal. Sempre trabalhamos com calma, indagando, pedindo documentos, promovendo oitivas e fiscalizando, mas fomos surpreendidos por pedidos de órgãos que, para salvar vidas, precisavam deixar de realizar licitações. E que, às vezes, se deparam com preços absurdos se comparados a compras recentes [feitas antes da chegada do novo coronavírus ao país] e que nos pediam decisões emergenciais”, disse o presidente do TCU.
Ele defendeu a importância dos órgãos de controle estabelecerem parâmetros que ajudem os gestores públicos em suas decisões. “Imagina a situação de uma pessoa [um servidor público] que precisa decidir uma compra, que tem que assinar um papel e, com isso, comprometer o seu patrimônio e o da sua família, em um país cheio de denúncias, onde uma nota em uma rede social pode maculá-la”.
“Ainda esta semana, um governador me telefonou e disse estar com medo de gastar. Ele está com medo da procedência do produto, se está ou não superfaturado. Outro dia falei com um colega da Argentina e, lá, eles também estão sem saber como proceder. De certa forma, estamos todos andando no escuro”, disse Monteiro, acrescentando que, no futuro, “muitos mal intencionados vão se valer do vírus” para justificar suas atuais decisões.
Infraestrutura
O secretário-geral do TCU, Paulo Roberto Wiechers Martins, explicou que o novo coronavírus impactou profundamente não só a gestão de contratos públicos na área de saúde, mas também o setor de infraestrutura.
“A pandemia trouxe severas alterações nas projeções de demandas, principalmente nas concessões. E essas mudanças [de cenário] estão motivando discussões sobre os impactos contratuais. Fatalmente, em algum momento, propostas de repactuação vão ser trazidas à mesa. Propostas de ajustamento de contratos”, disse Martins.
De acordo com o secretário-executivo, técnicos do TCU já vêm participando de reuniões técnicas realizadas por alguns órgãos públicos, procurando contribuir com recomendações que “tragam um pouco de segurança jurídica para eventuais repactuações contratuais”.
Além disso, disse Martins, o tribunal vem usando ferramentas de inteligência artificial para identificar, nos diários Oficial, a publicação de contratos relacionados ao fornecimento de produtos e serviços usados no enfrentamento à covid-19.
“Milhões de aquisições públicas estão ocorrendo neste contexto e é impossível que o TCU escrutine todas elas individualmente. Por isso temos desenvolvido essas ferramentas que, integradas a outras, nos apontam as contratações com maior potencial de conter irregularidades. Fazemos uma análise amostral e, independentemente do resultado desse exame [preliminar], remetemos essa base de dados a outros órgãos parceiros que integram a rede de controle, como o Ministério Público e a Polícia Federal, além dos tribunais de conta estaduais”, explicou Martins.
A iniciativa, segundo o secretário-executivo, faz parte do plano de acompanhamento das ações de combate à covid-19, que o TCU elaborou e que, em consonância com a defesa de “bons gestores” feita pelo presidente José Múcio Monteiro, visa a auxiliar o gestor na identificação de possíveis riscos de sua ação.
“Seria uma forma de trazer alguma segurança jurídica para o gestor que se vê premido pela necessidade de tomar decisões rápidas e nem sempre tem todos os instrumentos para fazê-lo”, disse Martins, elencando outras duas premissas do plano, a execução dessas tarefas à distância, por conta da necessidade de isolamento social, e o esforço de interferir o mínimo possível na rotina de trabalho dos principais órgãos de combate à covid-19.
“Sabemos que, atualmente, as pessoas do Ministério da Saúde, por exemplo, estão muito mais preocupadas em salvar vidas do que com atender os órgãos de controle. E não queremos inverter esta prioridade”, disse o secretário-executivo.