Sem margem de erro para cima, para baixo, para direita ou para esquerda, talvez já possamos afirmar que não há crise política alguma entre o governo de Luiz Inácio e a Câmara do czar Arthur Lira (PP-AL). O que existe de fato é uma saudade medonha dos tempos de Michel Temer e de Jair Messias, quando, a pretexto de governar sob o guarda-chuva do Congresso Nacional, ambos liberavam o que era pedido pelos arautos da farinha pouca, meu pirão primeiro. Aportuguesando a maracutaia, o que eufemisticamente chamam de emenda de parlamentar virou um cala boca para a maioria do Parlamento, os tidos e havidos como sanguessugas do dinheiro público.
Eita povinho mal acabado. Sherlock Holmes do Cerrado, o cabra que sabe tudo sobre os bastiores da Praça dos Três Poderes jogou as cartas e descobriu que a origem do chororô e do beicinho dos parlamentares, notadamente dos deputados, é a bufunfa do antigo orçamento secreto, criado por Bolsonaro, com a anuência papal de suas santidades Arthur Lira e Ciro Nogueira, senador pelo PP do Piauí e ex-eminência parda do Jair. Mais do que loucos pelo poder, ambos são os líderes do caranguejal sedento pelo suado din din do povo. Como diz um amigo antigo das redações, o nome disso é chantagem e não negociação política.
Já que não são afeitos à cautela, ao bom senso e, sobretudo, ao trabalho público, sugiro que suas excelências tenham vergonha e um mínimo de sensibilidade para discernir acerca da dificuldade que que é pagar um caminhão de impostos para sustentar esse amontoado de vampiros, sinônimo de aproveitadores, de parasitas. A cara de pau dos exploradores da boa fé do povo não tem limites. A ordem do dia é a mobilização para aprovar um dos maiores escárnios deste e de congressos anteriores. Refiro-me à chamada PEC da anistia, cuja intenção é perdoar calote de R$ 740 milhões dos partidos que deixaram de repassar recursos mínimos para candidaturas de pessoas negras e de mulheres.
Considerando que não há diferença entre os foras da lei assumidos e os enrustidos, de minha parte, prefiro o grito dos esfarrapados do que o sorriso dos lagartos travestidos de víboras peçonhentas. Por isso, insisto na tese simplória de comando absoluto. Muito pior do que todos que ajudei a eleger, o Congresso comandado por Arthur Lira, Ciro Nogueira e por duas dúzias e meia dúzia de borra-botas, representantes do Centrão e da extrema-direita, trabalha exclusivamente pelo controle do poder. Nada mais justo para quem tem biografias impublicáveis, mas, despudoramente, se definiu pela vida pública. É um problema sério, mas de fácil solução.
Se querem desconfigurar o governo e assumir as rédeas do país, aguardem 2026, conquistem votos e se elejam presidente da República. É assim ou, a qualquer momento presente ou futuro, as barras dos tribunais e, quem sabe, a masmorra fria e fétida da Papuda. Depois não digam que estão sofrendo perseguição. Se acham que podem tudo, estão enganados. Graças ao pouco caso de Michel Temer e à inércia de Bolsonaro, suas excelências mandonas conseguiram enterrar o presidencialismo de coalizâo e criaram o “presidencialismo do descaso”, que significa tirar do Executivo e delegar à Câmara a administração dos recursos públicos.
Em resumo, colocaram velhas raposas para cuidar de um corroído galinheiro. Deu no que deu. Portanto, para os menos desinteligentes, a aludida falta de articulação do governo Lula tem outro significado muito mais relevante para os maus políticos: abram os cofres que nós queremos entrar. É a turma que topa tudo por dinheiro e que faz da política apenas um joguinho de faz de conta. Infelizmente, na política brasileira é difícil distinguir os homens capazes dos homens capazes de tudo. Como é o que temos, vale uma reflexão: a política de um país é o reflexo do seu povo. Enquanto não aprendermos a servir, jamais saberemos eleger quem só pensa em se servir.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978