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Brasileiro, sim; bolsonarista, nem tanto

Pária pandêmico, Brasil do capitão espera por Deus

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo*

O presidente da República é o chefe do Poder Executivo. Faz parte de suas competências a gestão do governo do país e, até certo ponto, a própria direção do rumo político da nação. É dessa forma que se organizam as democracias do sistema presidencialista, caso em que o presidente geralmente é eleito pelo voto direto. Entre as exceções, a mais relevante é a dos Estados Unidos, república em que o mandatário é eleito por um colégio eleitoral, esse sim eleito pelo povo. Fora desses princípios é ditadura ou anarquia. No caso do Brasil, o líder máximo, chefe de Estado e de governo, além de chefe supremo das Forças Armadas, faz questão de nos lembrar diariamente que é dele o poder, a caneta, o Exército e até a cabeça impensante das pessoas.

Gostemos ou não, o presidente da República merece respeito democrático, reverências pela liturgia do cargo e loas quando entende o que é democracia. Infelizmente, estamos distantes disso. Lembramos dos EUA porque, nem mesmo sob as fantasias governamentais de Donald Trump, os norte-americanos experimentaram tanto descaso pelo povo, pela coisa pública e, principalmente, pelos mais elementares princípios democráticos, com destaque para os de governar para todos e de respeitar a opinião política do interlocutor. Ambos são fundamentos basilares da boa convivência entre governante e governado. Fugir disso significa arbítrio, engessamento e, na melhor das hipóteses, início de um esquizofrênico processo de ditadura.

Despretensiosamente comentando o atual cenário nacional em uma roda virtual de amigos nesse fim de semana, fui instado a responder um comentário maldoso de um dos parceiros sobre meu posicionamento contrário ao extremismo, o qual nunca escondi e, por necessidade lógica, sou obrigado a reiterar. Tenho horror a radicalismos, sejam eles à direita ou à esquerda. Já experimentamos os dois sentidos e o resultado é o que se vê. Chamado de insensato por compulsivamente avaliar como negativos a maioria dos gestos e ações do governo de Jair Bolsonaro, me limitei a informar que meus escritos são baseados em fatos concretos. Acrescentei que, via de regra, o caminho dos fakes é a lixeira.

E fui considerado insensato apenas por, junto com a aversão ao fanatismo bolsonarista, escrever reiteradamente sobre a decisão do ministro Edson Fachin liberando Lula para disputar as eleições de 2022. Em nenhum momento disse (ou direi) que o ex-presidente é um santo ou um enviado de Deus para nos salvar do infortúnio em que vivemos. Mesmo contrário à polarização, não é devaneio algum afirmar que hoje Luiz Inácio é o único candidato em condições de mostrar ao capitão que ele não é o dono do mundo. Aliás, ainda que de forma absolutamente enviesada para quem um dia alcunhou os congressistas de picaretas, certamente Lula também aprendeu essa lição.

Isto posto, achei por bem afirmar que, social ou profissionalmente, não escolho os amigos pelo matiz partidário, muito menos pelo perfil ideológico. Claro que também não posso esconder que o tipo de relação é diferenciado, isto é, nem sempre a conversa com uns é tão boa ou no mesmo tom da que tenho com os outros, sobretudo aqueles que insistem em impor como verdade absoluta o que o Brasil e o mundo já entenderam como mentira, engodo, embuste ou blefe. Como tenho respeito e carinho por todos, temo a futura frustração quando o grupo mais à direita perceber que o ídolo só torce, ama e quer bem a si mesmo, no máximo à família, particularmente os adorados e insuspeitos filhos.

Os plebeus vão para a conta de Justo Veríssimo, personagem criado pelo humorista Chico Anysio para representar parcela considerável dos políticos brasileiros, para os quais o povo que se exploda. O resumo da ópera é que, aparentemente, perdemos o complexo de vira-lata, mas estamos bem próximos de recuperar uma adjetivação jocosa e que parecia enterrada há décadas: o de República de Bananas. Em conversa com apoiadores, o presidente tornou público que somente Deus o tira da Presidência da República. Embora possa ter sido avaliada como loucura, a possibilidade dessa divindade ser o vice Hamilton Mourão não é tese de botequim.

General estrelado, preparado e respeitado pelos pares ativos e inativos, Mourão não parece daqueles políticos forjados nos bastidores que acham que podem varrer para baixo de qualquer tapete o primeiro antagonista mais incômodo. Escolado, ele sabe por exemplo que, a exemplo do ódio bolsonarista, Luiz Inácio e o Partido dos Trabalhadores são fatos, são vínculos sociais inapagáveis. Por mais que haja contrariedade com o criador e com a criatura, ambos têm de ser respeitados e, se for o caso, derrotados democraticamente. Era o que se esperava do capitão reformado que um dia sonhou ser mito. O que está em jogo é o Brasil, hoje pária pandêmico do mundo. Os números -12.047.526 infectados e 295.425 óbitos – são inquestionáveis.

*Wenceslau Araújo é jornalista

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