Dircêo Torrecillas Ramos
Possibilidade é a qualidade do possível. A utopia pode ser algo imaginário e inatingível, mas por outro lado é uma instituição política altamente aperfeiçoada. Neste segundo sentido, o parlamentarismo, em suas vertentes, será utópico dentro da reserva do possível.
Muitos são os modelos adotados, e a cada Estado cabe selecionar o padrão de acordo com sua situação política, econômica, social –incluindo a cultural e a jurídica. Temos como consequência o parlamentarismo original, com suas vicissitudes no tempo e espaço, adaptado a cada realidade. Em decorrência disso, surgiram fórmulas diversas, denominadas neoparlamentarismo, que conservam os elementos essenciais iniciais.
Atualmente, no Brasil, discute-se a adoção do parlamentarismo, mas antes de uma conclusão é necessário estudar as atribuições constitucionais oferecidas ao presidente da República, ao primeiro-ministro e suas relações com o Parlamento.
A tentativa parlamentarista é válida diante das crises do presidencialismo que houveram na história de nossa pátria. Entretanto, vários obstáculos e mitos devem ser enfrentados e esclarecidos para elaboração de um projeto aperfeiçoado, eliminando-se ou mitigando os problemas, resultando em custo-benefício e soluções mais favoráveis.
Algumas questões deverão ser respondidas, entre elas: como um país com enorme deficit irá engrossar a federação e aumentar seus custos com dois gabinetes, sendo um do presidente da República e outro do primeiro-ministro, estendendo a ampliação para os Estados-membros e municípios?
Lutamos pelas eleições diretas, e agora o escopo é o sistema onde a eleição do governante é indireta. O mesmo ocorre na Itália, na Alemanha e foi assim na França até 1962. O sistema requer o bipartidarismo ou o bipartidarismo imperfeito –sendo inviável com o pluripartidarismo, que é um empecilho para o presidencialismo nos dias de hoje.
Outra questão é quem terá a competência para a dissolução do Congresso diante da ingovernabilidade? O presidente da República, primeiro-ministro ou ambos?
Merece atenção no Brasil a desproporcionalidade na representação popular dos Estados, com o mínimo de 8 e máximo de 70 deputados e três senadores para cada unidade da federação. O Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste terão maioria nas duas casas do Congresso e elegerão o chefe do governo em detrimento das regiões Sul e Sudeste, mais populosas e que mais contribuem com recursos.
Neste caso, as medidas provisórias serão editadas pelo primeiro-ministro? As experiências parlamentaristas seriam para o povo ou para pretensões políticas daqueles que não chegariam à presidência, mas teriam oportunidades como chefe de governo? A propósito, qual a viabilidade do parlamentarismo com o nível ético da atual classe política? Quanto à corrupção, esta existe e continuará em qualquer sistema, mas como evitá-la ou reduzi-la?
Embora alguns autores mencionem o parlamentarismo como característica dos países desenvolvidos e democráticos, eu entendo que não é necessariamente assim –a exemplo de Angola e Moçambique– e o mesmo pode-se afirmar do presidencialismo. Como corolário, a experiência é válida.
Alguns obstáculos observados no regime parlamentar podem ser superados pelo voto distrital misto, pela fidelidade partidária –tanto para os parlamentares, como também aos partidos–, pela democratização dentro dos partidos e pela eliminação das coligações. Também seria possível o recall, pelo qual o povo cassa seu representante e, além disso, haveria o plebiscito para autorizar e o referendo para aprovar o projeto acabado. Nestes últimos casos, o cidadão recupera sua participação política perdida pela eleição indireta do chefe de governo, e, talvez, do chefe de Estado.
Com essas observações, acreditamos na possibilidade de construção de um modelo capaz de eliminar, reduzir ou superar as incoerências encontradas no direito comparado e no Brasil, esclarecendo e justificando a experiência com adoção de um novo sistema de governo, o parlamentarismo.