Em contato permanente com os deuses da sabedoria política e com os anjos da sensatez, jamais acreditei na brincalhona investida de Bolsonaro e apoiadores de auditar a urna eletrônica, faz tempo o melhor e mais confiável produto brasileiro. Há meses venho cravando minha descrença na possibilidade de o Parlamento aceitar como verdadeiras as ofensas presidenciais relativas à fraude no sistema eleitoral brasileiro. O balão de ensaio explodiu no ar. Não era crível entender como sérias as piadas de meia dúzia de iminentes derrotados a respeito de uma máquina que definitivamente acabou com a compra de votos. Melhor do que isso, defenestrou da vida política nacional endinheirados que se achavam coronéis da vontade alheia.
A pá de cal nessa proposta maluca e antidemocrática de recuperar o natimorto voto impresso foi lançada nesse sábado (26), após uma reunião entre presidentes de 11 partidos representando cerca de dois terços do Congresso Nacional, isto é, 326 deputados federais e 55 senadores. Com uma avalanche de denúncias cabeludas contra o ocupante do Palácio do Planalto e alguns de seus principais colaboradores e com um volume de vítimas da Covid chegando às marcas de 18,5 milhões de infectados e 513 mil mortos, os dirigentes partidários argumentaram que “o assunto não é prioridade no momento” e que o atual sistema é “confiável”.
No português mais ortodoxo, fecharam questão contra a emenda apresentada pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), comprada pelo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), e sonhada por Bolsonaro, que deixou de cumprir o “dever cívico” de mostrar prova de fraude na eleição. Para o bem da imagem do Brasil, melhor “Jair” se acostumando com a ideia antecipada de derrota nas urnas em 2022. Ou seja, parece sepultado o que agonizava há meses. De modo ainda mais cristalino, fez água a tentativa de chamar o VAR depois do jogo jogado. Melou a virada de mesa e decretou o triste fim da proposta de melar as eleições de 2022. A reunião suprapartidária começou a tomar corpo dias depois da ida do ministro aposentado Nelson Jobim à comissão especial que avalia o retorno do voto impresso.
Na oportunidade, Jobim calou os defensores da PEC afirmando que a mistura do sistema de urna eletrônica com a impressão de voto poderia gerar “uma cruza de jaguatirica com cobra d’água”. Impossível melhor definição. O fato é que, diante da rejeição crescente e imparável a seu governo, o presidente da República faz tempo tenta uma saída autoritária para sua iminente derrota nas urnas. Na verdade, muito mais do que autoritarismo, trata-se de uma tentativa de lavagem da honra política. Qual o melhor caminho? Nenhum, na medida em que, além do descrédito interno e externo, o discurso da honestidade acaba de ser jogado literalmente na lata do lixo.
Portanto, há um ano e meio da eleição, é desnecessário insistir com a tese antidemocrática de desacreditar o sistema eleitoral, pois tudo indica que o revés anunciado será confirmado em outubro de 2022. A menos que, como pregam os bolsonaristas a respeito da urna eletrônica, todos os institutos de pesquisa também precisem ser auditados pela turma do quanto pior melhor. De concreto, além da ausência de musculatura suficiente para brigar contra qualquer adversário, Jair Messias sabe que perder o discurso do voto impresso significa ficar sem um de seus principais eleitores.
Atentar contra a segurança da urna eletrônica é tão ridículo como expor 300 policiais e um aparato de guerra de duas importantes cidades para “caçar” – e não pegar – um único psicopata. A cantiga de grilo sobre fraudes na votação eletrônica é a mesma que Lázaro Barbosa está entoando para autoridades policiais de Brasília e de Goiás. Assim como não há prova alguma do que dizem sobre a possibilidade de o voto dado não ser o voto contabilizado, até hoje, passados 19 dias, nenhum dos “puliça” consegue provar que o serial killer ainda está na mata. Do mesmo modo que falta coragem aos governistas para assumir o sumiço dos votos, os meganhas não sabem como dizer à imprensa que o indigitado homicida “evadiu-se” na poeira vermelha do cerrado.