José Escarlate
Na minha última ida ao Rio, de férias, um dia resolvi dar um rolé pelas ruas da minha mocidade. À época, eu assinei página inteira de turfe no jornal em que trabalhava, O Popular, substituindo o titular, Juracy Araújo.
Era viciado em corridas de cavalos, jogava e perdia, mas conhecia tudo sobre os animais. Retrospecto, filiação, treinadores e proprietários. Só não acertava o ganhador. A minha sorte para deixar o vício foi que, escrevendo a página, tinha que estar de segunda a quinta às cinco horas da manhã no prado para assistir aos aprontos.
Aquilo me derrubava. Eu era notívago. Saia da noite direto para a Gávea. Cedo, eu estava tomando café no Bar Hipódromo, na Ponte de Tábuas, onde se reuniam, a partir daquela hora, tratadores, jóqueis e até cavalariços. Para sorte minha, fui transferido para a editoria política. E larguei o vício. Felizmente.
Há quem julgue que a energia se esgota ao longo do dia, chegando o cansaço, com o corpo louco para dormir. Engano. Segundo estudo que li, os notívagos atingem seu pico de energia normalmente à noite. Sentem-se revigorados e prontos para o trabalho. Pode até prejudicar um pouco o sono, mas é excelente em termos de produtividade, ganhando dos madrugadores.
A Ponte de Tábuas, no dizer do poeta, era o prefácio bucólico do conto de fadas que é o Jardim Botânico, fazendo divisa com a Gávea. Era lá onde desaguavam os rios dos Macacos e Cabeças. A primeira ponte foi construída à base de tabuas, dai o nome. Hoje, os rios correm sob a Rua Jardim Botânico através de uma galeria. Do lado esquerdo, o Jockey Clube, à direita, o Jardim Botânico e a nascente Tv Globo. Mais tarde, nasceu ali o Baixo Gávea, unindo-se à praça Santos Dumont e à Marquês de S. Vicente.
Nas andanças revi o local do antigo Bar Bundas de Fora, da minha época, mais tarde derrubado e ampliado para dar espaço ao Boteco Belmonte, agora um dos reis da noite da região. A classificação Bundas de Fora homenageia botecos tipo pés-sujos que proliferam por esse Brasil de Deus. São aqueles que, de tão pequenos, não têm mesas.
Quem está no balcão fica até com a bunda pra fora. Na década de 50 havia o Bundas de Fora do Jardim Botânico, para quem não sabe, um dos berços da mocidade descolada dos anos dourados. Depois, com o advento da TV Globo nas ruas Pacheco Leão e Von Martius, tornou-se ponto favorito da atriz Leila Diniz, que passava lá para tomar um trago, uma batida de maracujá. A irreverente Leila foi Miss Ponte de Tábuas e deu ao bar o nome que nem tinha, depois cassado pelos militares da redentora.
Os milicos inicialmente cortaram o Bundas. O dono, Matheus, fez a placa BD Fora. A milicada também não gostou e, finalmente, chegou-se a um consenso. Ficou “De Fora”. Ao lado do Bundas havia um bar da noite, para aficionados chamado “Bar Chove lá fora”. E um cartaz alertava: “Aqui só pinga”.