Papelão no futebol
Patacoada argentina vira uma patuscada para os canarinhos
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emEmbora não pareça, a história do jogo de futebol que não houve entre Brasil e Argentina tem tudo a ver com o retrato do país do Jair. A sucessão de tumultos protagonizados ou estimulados pelo chefe de governo infelizmente chegou ao esporte. A exemplo da proposta de ganhar mais um ou mais mandatos no grito, o comando do futebol brasileiro e argentino, obviamente associado a algum figurão do governo, tentou aplicar um golpe nas autoridades de saúde e realizar uma partida com jogadores que não poderiam sequer estar em solo tupiniquim. Ficou claro que, sabe-se lá com que atores, houve um acordo esportivo para burlar regras sanitárias.
Esqueceram, porém, do passo mais importante nesse tipo de tratativa: combinar com os russos, no caso, a Associação Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O fato, conhecido desde sexta-feira (3), é que os jogadores Emiliano Martinez, Emiliano Buendia, Giovani Lo Celso e Cristian Romero mentiram na imigração, desrespeitaram resoluções e, portanto, não poderiam entrar em campo por não terem cumprido a quarentena exigida pela lei nacional. Entretanto, por determinação dos diretores e do técnico portenhos, os integrantes da delegação argentina, inclusive os atletas, tinham certeza da impunidade. Resolveram pagar para ver. É a velha máxima do não vai dar em nada. Deu errado.
O “migué” sul-americano virou escândalo e o mundo inteiro assistiu ao papelão de los Hermanos, naturalmente com a colaboração de algum brasileño burlador de leis. É verdade que tudo isso pode realmente acabar em pizza. Todavia, não há dúvida de que, deliberadamente, a Conmebol, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a Associação Argentina de Futebol (AFA) e os próprios jogadores do país vizinho tentaram peitar a Anvisa. Na hipótese menos provável, mas não descartada, pode ter ocorrido uma carteirada de autoridade superior, nos mesmos moldes daquela que autorizou a realização da Copa América em solo nacional ainda no período crítico da pandemia. Quem foi esse doidivanas? Difícil ele se acusar. Não importa.
Se essa informação for confirmada, a Fifa deveria excluir o Brasil das eliminatórias para a Copa do Mundo do Catar, em 2022, e expurgar o selecionado de Tite das próximas competições internacionais. Haja o que houver, mais uma vez a Anvisa se rebelou contra determinações palacianas. Em uma delas, não atendeu “recomendações da chefia” e referendou a eficácia da vacina chinesa CoronaVac. Mesmo que ainda não tenha resposta para inúmeros questionamentos, no caso em análise ficou subentendido que, pelo menos na área sanitária, o Brasil continua sério. Houve um claro desrespeito da Argentina com as leis brasileiras. Como eles ainda se acham europeus acima do bem e do mal, não acreditaram que a Anvisa teria coragem de cumprir a legislação.
Erraram de novo. Com apoio da Polícia Federal, os bravos servidores da agência “invadiram” o campo, interromperam um dos maiores clássicos mundiais e jogaram no colo da Fifa o último ato do desalentado teatro do absurdo. No vigésimo resumo da ópera, talvez nunca saibamos quem autorizou o acordo que gerou a lamentável cena. Acredito que nem a CPI da Covid conseguirá desvendar mais esse mistério brasileiro. Também não importa. O estrago está feito. Além de República de Bananas, passaremos a ser conhecidos no mundo do futebol como embusteiros.
É o que merecemos. Como toda coisa séria merece um final feliz, a verdadeira história ainda não foi contada pela chamada grande imprensa. A decisão de abandonar o campo foi de Lionel Messi. Ao perceber no gramado a presença de três jogadores envolvidos com o manto sagrado rubro-negro, o craque argentino reuniu os companheiros e reagiu: “Tem muito jogador do Flamengo por aqui. Eu não vou jogar, pois tenho medo de ser goleado”. Paralelamente ao autor da autorização para realização do jogo, o mundo quer saber qual a punição para quem mente em formulário da Anvisa. Ao fim e ao cabo, a patacoada da Argentina serviu de mote para uma animada folia dos jogadores brasileiros, uma verdadeira patuscada.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1988