Sujeito oculto do verbo já foi, o papa Francisco é pop, mas, embora tente dia e noite, jamais conseguirá impedir que a Igreja Católica seja a cereja do bolo dos que bebem na fonte do prazer proibido. Dia desses, lendo um artigo produzido pela BBC News Brasil fiquei encimesmado ao ser informado que aspirantes a padre se martirizam contra o demônio da homossexualidade. Bestas são todos os que agem assim, pois nada melhor do que viver como a vontade de Deus. O gelo no bilau pode até amenizar o desejo incontido de mudar de lado, mas nunca os impedirá de, ainda que silenciosamente, assumir a opção escolhida. Às favas com os preconceituosos.
Nas igrejas, nos centros de umbanda, nas reuniões episcopais ou nas rodas de samba destinadas a arrecadar fundos para os machos alfas arrependidos, nada é insuperável. Ou seja, tudo é possível, inclusive rodar a baiana estando as partes pudendas desprevenidas, isto é, descalças e desenxabidas. No jogo da vida, a regra é clara: mesmo que esteja por baixo, ninguém está acima de ninguém. Independentemente de nossas tendências radicais, somos todos iguais. Os que pensam diferente disso são aqueles que não aderem por falta de apoio do chefe supremo dos “patriotas” enrustidos.
Não tenho vocação para padre, tampouco para entidades que pegam os cambonos por trás. Meu caboclo de frente é contrário a tudo que dizem ser proibido. Aprendi com ele, que o que vem de trás não deve incomodar a outrem. Mais importante é ter a certeza de que o que é do homem o bicho não come nem com reza forte. Doença e fruto do mal é roubar sem ter a quem dar. Na pior das hipóteses, é dar o que não é seu. Afinal, vale sempre se valer da máxima franciscana de que é dando que se recebe.
Portanto, o que há de errado em querer ser o que os outros não têm coragem de ser? Exorcizar o desejo é o mesmo que ser obrigado a se lambuzar com o que não gosta. A ordem do rei é esquecer os kits de cura originariamente vendidos nas farmácias extremistas dos melodramáticos golpistas. Fingir não o transformará em cidadão de primeira classe. Pelo contrário. O medo de assumir é o que o levará ao segregamento estrogonófico e jovem guardiano idêntico ao dos meninos que, mesmo sem o clima da Festa de arromba, um dia resolveram copiar os quatro cabeludos de Liverpool.
Melhor fizeram os que freneticamente gritaram Help, mandaram tudo para o inferno e, com muita Alegria alegria, esqueceram a Namoradinha de um amigo meu e se realizaram tomando um Banho de lua. Eis o mistério da vida. É a diversidade contagiante de gestos e de desejos que ajuda a construir a identidade de cada ser humano. Ainda que permaneça Sentado à beira do caminho, seja terrível. Feche os olhos, Deixe o mundo girar, Esqueça as Coisinhas estúpidas a seu redor e grite para o mundo inteiro ouvir que Ninguém poderá julgá-lo. Mantenha a Fama de mau de Yesterday. Afinal, cada um sabe de si. Sempre que puder, repita o mantra Só vou gostar de quem gosta de mim. Muitos dos meninos da minha época foram criados com a recomendação expressa de não pisar na grama. Sexo só para procriação. Não sei se me entendem, mas apelo que com as mãos nem pensar.
Vem daí a fama do criado mudo como confessionário de cabeceira. Tempos difíceis, mas de ótimos aprendizados e de intensas transformações culturais, sociais e políticas. Vivi o surgimento da Bossa Nova, a explosão da Tropicália, a efervescência da Jovem Guarda, a ditadura militar e a influência de movimentos internacionais de contracultura, como o movimento hippie. São desse período três gírias que definem bem o Brasil de quinta com o qual os “patriotas” de araque sonham até acordados: Lelé da cuca, papo furado e fogo na roupa. A primeira representa os defensores do que há de pior na política atual, enquanto a segunda é a expressão viva do discurso desimportante e vazio daquele que guarda semelhança biológica, sociológica e psíquica com um capitão de bravata. É fogo na roupa.
*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras