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Patriotismo do atraso e ódio joga Brasil pra trás

Em tempos de festa junina, como é gostoso lembrar do balão conhecido por japonês. Não tenho muitas explicações técnicas capazes de justificar a denominação do artefato. Era apenas um brinquedo que passou a ter grande popularidade entre as crianças do começo do século XX. Feito com papel washi especial, leve e dobrável, tinha uma pequena entrada para o ar. Desconheço a anatomia japonesa, sobretudo a masculina, mas lembro que o trem (o balão) era pequeno, de espessura mínima e de baixíssimo alcance. Quatro gomos e uma bucha tão sem vergonha que, às vezes, o bicho subia um tantinho de nada. Era um fracasso, mas agradava as meninas da minha época de menino. As mocinhas mais velhas já preferiam os balões mais robustos.

Perdão pela metáfora balonística, mas foi o que encontrei para comparar o que não subia com o que não decola. E não adianta reza forte, ameaça de golpe, denúncia infundada de fraude, tampouco estoques de azulzinho. O balão japonês está de volta na forma de governo. Infelizmente, trata-se de um governo sem envergadura, estrutura e pose. E não decola nem com a ajuda dos tubarões do Centrão e de boa parte da organização criada a partir do Palácio do Planalto, tampouco com o ufanismo exagerado de seus seguidores, a maioria pronta para zerar o Brasil. Não me surpreenderia se as crianças que zombavam da fraqueza do balão fossem os homens e mulheres que hoje se anunciam como salvadores de uma pátria que querem só para eles.

De tudo que me enoja neste país da tabuada fisiológica e da política de interesses, a vontade de caminhar para trás é o que mais me desencanta. Há cerca de três anos e meio, o grupo que está no comando exorcizou e crucificou um presidente da República e seu entorno por roubalheira. Deixando de lado o mérito, vivemos idêntica situação. No entanto, hoje o delito é apenas hipotético, simbólico, invenção de comunistas. O que mudou? Por exemplo, tráfico de influência para favorecer amigos pastores e desviar dinheiro público deixou de ser crime. Tudo como dantes, mas hoje preferem queimar a cara. Se em outras épocas começou a pavimentação, agora é o Brasil consolidando a via da corrupção. E viva o bolsonarismo salvador.

Virou herói o pastor negacionista que avalia gays como seres gerados em famílias desajustadas. É o mesmo cidadão travestido de ministro da Educação que, um dia, após ter ingerido comida estragada, afirmou com todas as letras que alunos com deficiência “atrapalham” a aprendizagem dos colegas. Nada mais terrível para um povo que se acha culto, acima do bem e do mal, acima de qualquer suspeita, mas incapaz de se descobrir tão vítima da fraqueza do mito como aquele cidadão que, com um mínimo de inteligência, se enrola no Pavilhão Nacional com objetivos bem mais honestos e republicanos: salvar a nação do inexorável caos.

É esse o cidadão correto e que não foge do medo. Desconhece sua força, mas enfrenta a situação. Não se esgueira como fracotes, muito menos trabalha para restaurar o que gerou escuridão. Sei que lutar com o igual é perigoso, com o mais forte é loucura e com o mais fraco é vergonhoso. Todavia, com coragem, convicção e sorte, somos capazes de alterar o cenário corrosivo que nos espera. Não mudar significa manter a Amazônia desmatada e devastada, continuar morrendo de fome, sem emprego e fazendo coro com as sandices destemperadas do tenente, cuja preocupação ainda é copiar Donald Trump e tentar minar a segurança das urnas.

Hoje (29), Dia de São Pedro, é a derradeira data das festas juninas. Virão as julinas e, para alguns, certamente permanecerá o medo de pular fogueiras. Afinal, por muito menos um membro terrivelmente honesto do governo queimou o rosto em defesa de um colaborador que pulou o cercadinho da moralidade para tocar no dinheiro público. São todos iguais. Por isso, respeitando o patriotismo a partir dos símbolos, teimo em dividir os patriotas. Nos tempos de menino, apesar da obrigação, era divertido exacerbar sentimentos ufanistas para homenagear um país que ia para frente. E hoje? O patriotismo bolsonarista homenageia uma nação que faz três anos e meio caminha para trás.

É um país que não consegue cumprir os deveres básicos de garantir saúde, educação e alimentação para seu povo. Mesmo assim, ainda vejo fanáticos chamando de mentirosos os que insistem em morrer de inanição. Há alguns anos, quando via a Bandeira do Brasil numa janela qualquer, de imediato imaginava mais uma das memoráveis participações da seleção de futebol em copas do mundo ou da América. Lamentavelmente, hoje o que penso é muito ruim: ali deve morar um belo representante do atraso, do retrocesso e do ódio. Para nossa sorte, o fogo do balão japonês está apagando.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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