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Patriotismo e corrupção não podem dar as mãos

Ivaldo D’Assumpção

Resolvi buscar a origem e significado da palavra “patriotismo”, e o que mais me satisfez foi: “do grego patriotes, que significa “patrício”, que por sua vez se refere àquele que tem atitudes nobres, distintas”. Na antiga Roma, referia-se aos membros da classe nobre.

Completa seu significado, o sentimento de orgulho, amor, e devoção à pátria e aos seus símbolos (bandeira, hino, brasão, riquezas naturais, mitos históricos, patrimônios materiais e imateriais). Tudo isso é razão do amor dos que querem servir ao seu país, e ser solidário com os seus compatriotas.

Usando a conceituação do sociólogo Bauman, digo que essas definições pertencem à modernidade sólida, que no final do século XX transfigurou-se para a modernidade líquida – a de nossos dias – na qual tais conceitos vão se liquefazendo, assim como se liquefazem e evaporam valores éticos, morais e espirituais, cedendo lugar ao egoísmo, à ganância, ao individualismo apátrida, ao hedonismo e à autoimagem solitária.

Diante dessa sombria realidade em que estamos vivendo, fiquei questionando para mim mesmo, qual seria a origem da corrupção que assola nosso país. Em busca de respostas, procurei rever nossa história a partir da chegada de Cabral ao sul do atual estado da Bahia, no dia 22 de abril de 1500. Recordei-me de ter estudado que D. Manoel, então rei de Portugal organizou tal expedição com cerca de 1.400 homens, com o objetivo, ainda hoje questionado, de buscar um novo caminho para as Índias. Ou, objetivamente, para explorar as riquezas naturais das novas terras que já seriam conhecidas pelos portugueses.

De qualquer forma, o leitmotiv essencial era a busca de mais riquezas para o império português. Diferentemente dos ingleses que colonizaram o território da América do Norte com os Quakers, aportados em Massachusetts no ano de1620, no navio Mayflower. Para esses, a ocupação do novo território não objetivava retirar suas riquezas para levá-las à Inglaterra, pois de lá haviam saído fugindo das perseguições religiosas. O objetivo que os norteou foi estabelecer ali a sua pátria definitiva; para os portugueses, o novo continente era apenas um território a ser saqueado.

O tempo passou e chegamos ao século XX. Várias gerações de brasileiros foram se sucedendo, e a consciência de uma pátria para se viver cresceu nas mentes e corações dos novos habitantes. Sem dúvida, mazelas persistiam e a ambição de enriquecimento fácil, rápido e sem peias, ainda, e até hoje, germina em muitos. Contudo, as normas de vivência familiar e social de então, traçavam novos e melhores rumos para os que nasciam e cresciam em solo brasileiro. Não se pode esquecer da boa influência dos imigrantes, que trouxeram costumes educacionais europeus, melhor sedimentados e depurados pelos seus milênios de história.

Na escola aprendíamos, além das matérias básicas, música, trabalhos manuais (arte), religião, regras de comportamento social, respeito à hierarquia, moral e cívica. Aprendemos e cantávamos o hino nacional no início das atividades escolares, e nos feriados nacionais, desfilávamos orgulhosamente (no bom sentido!) em paradas pelas ruas de nossas cidades.

Chegam então os anos 60, tumultuados e com mudanças ocorrendo aceleradamente. Veio o período do governo militar e, ao seu final, a natural reação contra quase todos os valores que pudessem recordar a disciplina militar. Tornou-se proibido proibir, e com isso todo o castelo social construído por séculos foi desabando. Perdeu-se a noção de pátria e família, para dar lugar aos interesses individuais, ao hedonismo sem limites, à conquista do sucesso a qualquer preço. Com o debacle dos regimes comunistas, o capitalismo consumista foi devorando espaços e a modernidade líquida tomou conta, desfazendo as relações mais sólidas, fragilizando os elos de ligação e fortalecendo o individualismo.

Hoje são comuns os apartamentos construídos para uma só pessoa, empregos duradouros já não interessam, e não mais existe a fidelidade a vínculos estabelecidos, pois o que importa é a busca de melhores rendimentos. Exemplo são os contratos de desportistas, meras formalidades sem forte vínculo do atleta à agremiação. Afinal, nada mais são do que papeis firmados, que a qualquer momento poderão ser rompidos, bastando uma boa compensação financeira. Já não existe fidelidade a religiões, pois elas são trocadas conforme as ofertas de benefícios que outras oferecem, mesmo sendo puro engodo. Irmãos traem irmãos por uma fatia maior do bolo familiar; a fidelidade à pátria não vale mais nada, bem comprovada essa desvinculação pelo simples fato de que quase ninguém sequer sabe cantar o hino nacional.
Basta olhar, num estádio de futebol, a expressão de desinteresse dos jogadores, juízes e torcedores, quando se toca o hino de nossa pátria. O mesmo se observa em auditórios de agremiações políticas, culturais e ou científicas. Pouquíssimos conseguem acompanhar este signo essencial à pertença de um país, mesmo sendo projetada sua letra em telões com bandeiras tremulando.

Com esse quadro, entende-se facilmente o tsunami de corrupções descobertas nos últimos meses: que compromisso autoridades, empresários, homens públicos têm para com o Brasil? Dinheiro não tem pátria, lucro não tem residência fixa, ética e moral só servem como figuras de retórica. Promessas e palavras empenhadas são chacotas na boca dos corruptos, corruptores e corrompidos. E, se o exemplo vem do alto, como se pode cobrar da base da pirâmide social, um mínimo de honestidade, correção, compostura e patriotismo? “Abyssus abyssum invocat” (O abismo chama o abismo), alertava Davi no Salmo XLII,8.

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