Mais agoras
Paulo Miklos lança primeiro trabalho desde saída dos Titãs
Publicado
emPedro Antunes
Naquele agora, uma manhã de terça-feira friorenta na zona sul da cidade, o cão Ursinho recebe a reportagem antes mesmo do anfitrião Paulo Miklos. Feliz, a abanar a cauda felpuda, o bicho arranca risos de todos na sala ampla da casa do músico paulistano. Com a mesma leveza do cachorrinho que parece sorrir ao observar o dono, Miklos ri para a vida e para o futuro. Quer mais “agoras” como aquele. A nova etapa da carreira musical está próxima demais. No dia 11 de agosto, chega às lojas, virtuais e reais, o primeiro álbum após a saída dos Titãs, anunciada em junho do ano passado. A partir daquele momento, Paulo não estará “em carreira solo.”
“Agora, é só ‘carreira'”, brinca Miklos, sentado com as costas eretas e mãos juntas entre as pernas, no sofá localizado em frente a uma lareira e uma caixa de discos em vinil – na coleção, álbuns dos Beatles (Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, de 1967) e Nando Reis (Jardim-Pomar, do ano passado). Com a banda paulistana, Miklos gravou 14 álbuns de estúdio; sem ela, foram dois, Paulo Miklos (1994) e Vou Ser Feliz e Já Volto (2001).
Havia, já no título do segundo trabalho solo, uma mensagem de quem era Miklos quando não estava na companhia dos demais integrantes dos Titãs. Ele foi ser feliz, mesmo quando o resto, ao seu redor, pedia por lágrimas e não por sorrisos. Dezesseis anos depois, ele persegue a mesma plenitude que só tem quem vive ao observar o copo “meio cheio”. A Gente Mora No Agora, o novo álbum, lançado pela Deck e viabilizado com o auxílio do edital Natura Musical, é um recomeço ensolarado para quem, no caminho até aqui, levou alguns coices da vida – em 2013, perdeu mãe, esposa e pai, em seis meses.
“Chorar é importante igual sorrir”, canta Miklos na música A Lei Desse Troço, a primeira do novo álbum, criada em parceria com o rapper Emicida. “Avisa lá que eu voltei, sem sair daqui”, continua. É da canção que vem o título do disco. “Esse é um nome que me parece um chamado interessante, tirado de um verso do Emicida, que é muito certeiro”, explica Miklos. “É uma ideia de não viver na ansiedade pelo futuro nem na nostalgia do passado. Mesmo com uma carreira tão longeva, estou escrevendo uma nova página, em branco, com total liberdade.”
A Gente Mora No Agora, produzido por Pupillo e com direção artística assinada por Marcus Preto, gira em torno do otimismo. Se inicia com a prece, meio samba, meio choro, criada ao lado do rapper paulistano. E chega ao fim com Eu Vou, uma música na qual Miklos é só intérprete dos versos criados por Tim Bernardes, do interessante trio paulistano O Terno, de 26 anos. “Vou experimentar / Viver mais livre, leve e solto / Eu vou comemorar / A vida, a morte, o tempo e o sonho”, canta.
Como um círculo, o álbum nasce e chega ao fim no mesmo ponto, a mensagem principal, seu ponto mais solar, ali no topo. A linha narrativa de A Gente Mora No Agora, contudo, não se furta de reverberar os momentos mais sombrios da vida de Miklos.
Biográfico, o álbum canta a dor também. Parceria com Céu e Pupillo, Risco Azul é uma lamúria delicada sobre a perda. “Rasura que eu chamo de lar / E não te encontro nesta página apagada”, canta ele durante o melhor registro vocal do disco.
Vou Te Encontrar, de Nando Reis, é outra na qual Miklos é intérprete – mas canta a si mesmo, pela visão do amigo e companheiro de Titãs. Enviou uma música a Reis – assim como se deu grande parte das parcerias do álbum – e recebeu, de volta, uma canção totalmente nova. “É uma canção linda”, avalia, satisfeito.
“É sobre aquilo que vivi com a minha primeira esposa. Ele (Reis) a conheceu tão bem durante tantos anos, três décadas. É uma homenagem, mesmo, que canta a perda.” Guilherme Arantes, por sua vez, ajuda Miklos a contar o recomeço, renascido no amor graças ao sentimento compartilhado com a produtora Renata Galvão, que senta do outro lado da sala durante a entrevista. “Eu encontrei com o Guilherme depois de enviar a música e ele me disse que havia ouvido a minha história, que tinha ficado muito emocionado”, diz.
E, embora A Gente Mora No Agora seja Miklos na essência, ele se constrói majoritariamente pelas parcerias. Há também canções criadas ao lado de Russo Passapusso (do Baiana System, que participa de Vigia), Silva (em Todo Grande Amor), Erasmo Carlos (em País Elétrico), Céu (em Princípio Ativo), Lurdez da Luz (em Afeto Manifesto), Bernardes (em Samba Bomba) e Arnaldo Antunes (em Deixar de Ser Alguém). Mallu Magalhães (com Não Posso Mais) e os já citados Tim Bernardes e Nando Reis são os únicos a assinarem sozinhos composições no disco.
Há um ano, sentado em uma sala de reuniões em um hotel em Belo Horizonte, o Miklos que falava à reportagem guardava, dentro de si, a ansiedade para começar logo a trabalhar no álbum agora finalizado. “Eu tinha ali uma página em branco na minha frente”, ele recorda. “Estava diante de uma possibilidade enorme, liberdade total. Não queria requentar o passado, as coisas que eu já diz. Queria seguir adiante.” Ursinho, no agora, late e o som ecoa pela sala. Miklos desvia o olhar, encontra o rosto de Renata e sorri. Diz tudo.