Mestres das metáforas
Pavão que desafia a lógica acaba virando espanador
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emAinda menino no subúrbio do Rio, minha filosofia de vida – eu já tinha uma – era nunca me achar triste porque mudei de ideia. Li sobre isso em um dos achados memoráveis do jornalista e escritor Apparício Torelly, mais tarde meu mestre preferido. Também conhecido pelo pseudônimo honorífico (quase real) de Barão de Itararé, ele, mesmo de longe, me ensinou que triste é não ter ideias para mudar. Passadas algumas boas décadas, hoje tenho mais do que filosofia. Comprei do Maluco Beleza Raul Seixas a certeza de que “a arte de ser louco é jamais cometer a loucura de ser um sujeito normal”. Tudo que aprendi virou ossos do ofício. Às vezes, nem é do ofício, mas são ossos.
Tive vários mestres das pretinhas, teclas da velha máquina Olivetti. Como a maioria do meu tempo, sou pós-graduado, mestre e doutor em datilografia. Empurrava o ferro que era uma beleza. Naquele tempo, o mais comum nos cronistas eram as metáforas, cujo significado nem todos sabiam. E não sabem. Eu era um deles. Uma dessas frases figuradas aprendi com Sérgio Porto, irmão siamês de Stanislaw Ponte Preta, um tricolor dos mais empedernidos que já conheci. Mais do que ele só Nelson Rodrigues, o homem das mil faces. “O sol nasce para todos. A sombra é para quem é mais esperto”.
Fosse vivo, Stanislaw perguntaria onde está o sujeito na frase acima. Pupilo antenado, embora apolítico. eu diria que ele está no Palácio do Planalto. Como haveria controvérsias, também diria, para ficar bem com todos os lados, que só o tira-gosto ajuda a quem bebe 51. Aos demais, lembro que não adianta insistir contra o que está posto. A lógica é a lógica. Ontem pavão, hoje espanador. Se preferirem, vou mais longe e afirmo que aquele que ainda acha que vai rir por último é retardado mental. O pior cego é aquele que quer ver, mas finge não enxergar.
Sobre o que está posto, o que posso dizer além do óbvio? Deixo para a alerta, zelosa e invejosa oposição a tradução do texto cuja autoria desconheço: “Pau que nasce torto não tem jeito. Só prótese peniana para resolver”. Fora o rame-rame monotônico do jornalismo diário, sempre me utilizei das metáforas, provérbios e pensamentos para manter viva a memória dos mestres do passado. Por exemplo, via na velha Olivetti uma maçã e passava os dentes nela. Era a tese não finalizada de que, para quem não tinha nada, a metade é o dobro.
Assim fui até descobrir que precisava de novos desafios. Esqueci temporariamente do tempo em que era pobre interesseiro, daquele que só pensa em dinheiro, e decidi pelo diletantismo. Em uma fase em que só cume interessava, me aventurei no alpinismo. Não deu certo. Na verdade, tudo que via, tocava ou cheirava estava fora da racionalidade, não tinha coerência. Achava tudo tão gozado que mais parecia camareira de motel. Cheguei a confundir bife de caçarolinha com rifle de caçar rolinha. Mudei de vez ao perceber que metade da sociedade passa fome, enquanto a outra metade faz regime. Mudei de fato ao entender que saudade é aquilo que ficou daquilo que não ficou.
Continuo fiel às metáforas de Stanislaw, do Barão de Itararé, do Millôr Fernandes e até do Ibrahim Sued, para quem cavalo dado acaba desmunhencando. O que não faço mais é confundir fato com fake, do tipo o comunismo vai destruir o Brasil. Que comunismo? No Brasil de nossos dias, escrever e não ler é analfabeto e ponto final. Acompanhado diariamente por olhos de rapina, o comandante em chefe da nação passou bom tempo da vida como quem confere ferro. Por isso, era chamado metalúrgico. Como o tempo é um escultor de ruínas e gravidez é a exceção que não confirma a regra, o destino quis que ele atendesse a apelos nordestinos e, se é que me entendem, passasse a usar colírio light contra olho gordo.
*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras