Sem a presença de representante do governo ou de instituições como Ministério Público e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), dirigentes de movimentos sociais fizeram, em audiência no Senado, críticas à criminalização dos movimentos sociais. Tramita no Legislativo projeto para alterar o Código Penal e reprimir crimes ocorridos em manifestações ou concentração de pessoas.
Desde a série de protestos que começou em junho de 2013, alguns parlamentares vêm defendendo a aprovação do projeto. A ideia era aprovar o texto antes da Copa do Mundo, mas a falta de consenso em torno da matéria adiou a decisão.
“A Copa passou, o projeto não foi aprovado e não houve nada daquilo que os pregadores do caos diziam que iria acontecer em matéria de violência contra os nossos convidados. Não houve violência alguma contra os convidados que vieram assistir à Copa no Brasil”, avaliou o senador Paulo Paim (PT-RS), que presidiu o debate na Comissão de Direitos Humanos.
O texto propõe o aumento da pena para crime relacionado ao patrimônio, permite que a autoridade policial possa investigar os danos e qualifica o homicídio praticado nas manifestações, prevendo pena com reclusão de 12 a 30 anos e eleva em até 50% a pena para lesão corporal cometida naquelas circunstâncias. O uso de máscara, capacete ou qualquer outro utensílio ou expediente destinado a dificultar a identificação, segundo o substitutivo, seria um agravante para a pena. Por fim, tipifica o dano ao patrimônio público ou privado praticado durante manifestações públicas. Se aprovado, a pena será de reclusão de dois a cinco anos, além de multa.
Paim lembrou que é a terceira vez que o colegiado se reúne para ouvir as diversas posições sobre o assunto. “Somos totalmente contra qualquer tipo de criminalização dos movimentos sociais. Entendemos ser legítimo o direito de protesto e de mobilização. Eu mesmo aplaudi muito as jornadas de junho e julho, quando o povo foi à rua, protestando e exigindo mais investimento em saúde, educação, habitação, saneamento básico”, disse.
Os representantes dos movimentos sociais e sindicalistas reiteraram o posicionamento unânime em torno da discussão. As críticas se basearam principalmente no cerceamento ao direito de expressão e nos interesses de governos e iniciativa privada em abafar os protestos.
“Estamos vendo um recrudescimento, um avanço de várias violações de direitos de manifestação e direitos de atividade política”, disse Lucas Brito, que integra a executiva da Assembleia Nacional de Estudantes Livres. Ele lembrou que em junho milhões de pessoas foram às ruas para lutar contra o aumento das tarifas do transporte, “mas, de fundo, estava colocada uma insatisfação política com a situação que vivemos no Brasil. Porque não é à toa que a população saiu às ruas levantando cartazes de que aqui nós queremos um padrão da Federação Internacional de Futebol (Fifa) para educação, para saúde”, completou.
Brito citou a prisão de 19 ativistas no último final de semana, suspeitos de envolvimento em atos violentos em protestos no Rio de Janeiro. Segundo ele, “estão sendo presos por terem sido confundidos com vândalos. Nós somos ativistas políticos e não vândalos”, protestou. Para o estudante, a ação de repressão é uma tentativa clara de enquadrar a ação dos movimentos sociais e das entidades sindicais como uma ação terrorista. “Temos uma grande contradição, hoje, no país: ao passo em que os movimentos sociais avançam na sua luta desde junho do ano passado e mostraram que é preciso lutar e que é possível vencer, temos, de outro lado, uma movimentação para calar a nossa voz”.
Mesmo reconhecendo que o medo impediu muitos manifestantes de participar de protestos durante a Copa, o estudante avaliou o movimento como vitorioso. “Somos nós que estamos ganhando porque o que eles queriam é que a gente tivesse ficado com medo e voltasse para casa. Queriam nos calar, queriam nos amedrontar. E seguimos em frente. Chegamos até aqui fazendo luta, fazendo mobilização”, avaliou.
O coordenador do Fórum Sindical dos Trabalhadores, Lourenço Ferreira Prado, lembrou que as manifestações vem sendo feitas há anos como instrumento de luta por conquistas de direitos trabalhistas e sociais. “Mas, o Estado de hoje, mais do que o de ontem, utiliza seus agentes civis e militares para reprimir toda e qualquer manifestação, sob a falsa e conhecida alegação de que é mantenedor da boa e necessária ordem política e social, mediante a segurança pública”, criticou.
Representante da Força Sindical em Brasília, Maria Antônia Rodrigues defendeu a adoção de políticas mais sérias voltadas para o trabalhador. “Ir para rua, levar aposentados, levar trabalhador para ir lutar por essa causa, isso é crime? Eu não sei mais. Tem hora que eu não sei mais definir o que é crime, para estar se criando uma lei como essa. Crime maior do que você ver, depois de tantos anos de luta, o seu salário corroído?”, comparou.
Carolina Gonçalves, ABr