Deliriuns tremens
Peladeiro que se preza não joga em campo sem grama

Tentando fugir da mesmice do noticiário envolvendo Lula e Bolsonaro, decidi voltar às origens lembrando o que já foi nosso maior produto de exportação: o futebol dos gramados altos e naturais. Peladeiro desde o ventre materno, jamais dispensei uma pelada. Não fugia das canchas nem mesmo nos dias de nuvens avermelhadas ou do gramado impraticável por conta da incompetência da maquininha de aparar relvas acima da média permitida. Para minha sorte, na época, os campos sintéticos ou totalmente carecas faziam parte de um futuro ainda desconhecido.
Hoje, talvez, renuncie aos ideais de povo originário e de convicções florestais quando me faltar o cão e me obrigarem a caçar com o gato. Nesse dia não terei como fugir da máxima de que, à noite, todos os gatos são pardos, nem sempre peludos, de garras afiadas e de miados sedutores. Aí só me restará ajoelhar, rezar e torcer para que eu não desapareça diante da perdição do modernismo globalizado. Como ser humano passível de erros momentâneos, não estou autorizado, tampouco em condição de afirmar, que fugirei dessa modernidade enquanto tiver forças para viver como homem do bom e indecifrável passado.
Até posso dela participar, mas nunca me sentirei à vontade para dizer que me liberei das amarras indissolúveis dos verdes campos de minha terra. Tão sagrado como profano, adoro o universo penetrante, charmoso, perfumado e lascivo dos tapetes persas. Como macho alfa em pleno cio, neles me perco como nos sonhos das peladas disputadas entre os imaginários times do Rola Cansada contra o Lagarta Verdejante, ambos criados literária e poeticamente pelo célebre goalkeeper dos não menos célebres Pinto Caído e Olho Vermelho Cana Clube. Sonâmbula e misteriosamente embriagado pelo calor do acanhado e caliente estádio, joguei em todos, sempre partindo das pontas para o miolo central.
Como os gregos, os baianos, os bizantinos e os mestre da depilação, é claro que sempre prezo pela higiene. No entanto, se me derem opção, opto pela originalidade. Não sei se me entendem, mas os desenhos criativos, chamativos, coloridos e sensitivos também são muito bem aceitos. Considerando o fato de nunca fugir das pegadinhas do tipo roletrando, a verdade é que não dispenso uma contenda contra as uivantes moçoilas daquele time que zumbe como um besouro, coaxa como uma perereca, canta como um sapo cururu, mas, de perto ou de longe, lembra uma serena, cativante e bela Tulipa Vermelha.
Como membro benemérito, erecto e muito apreciador dos tecidos caetaneanos, freudianos, betanianos, zeramalheanos e djvanianos, obviamente que, depois de atuar, garbosa e impunemente, pelos longínquos e difamados escretes do Hospudim, do Rasputin, dos Desabestados e dos Perebas, não tenho mais como escolher o tamanho ou a espessura da grama. Ponta esquerda recuado do Pé na Cova, atualmente pelejo, pelejo, pelejo e acabo por sucumbir em deliriuns tremens em gramados altos, baixos e, principalmente, nos recôncavos desgramados. É a minha sina. Parece que também é a da Seleção Brasileira.
O que fazer se a letra grega com a qual fiz sucesso pelas canchas nacionais, internacionais e interplanetárias hoje não passa de um tênue sussurro da língua? Limitado a tragar esporadicamente famigerados tapetes sintéticos, ainda busco soluções para meu sádico e ardente apetite capilar. Minha odisseia nada tem a ver com a do poeta grego Homero, autor da história do herói Ulisses. Todavia, mais importante do que a inimizade do deus Poseidon é meu desafio caseiro. Ignorando propositadamente o sucesso do rapper Cabelinho, mantenho a eterna busca pela capilaridade. Afinal, peladeiro que se preza não aceita campo raspado. Sem mais delongas, o que fazer se a vida deixar de ser cabeluda? Vaselino os dedos e me faço uma trança.
………………………….
*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras
