João havia nascido em uma família pobre. Todos eram pobres, alguns até muito pobres. Ele também cresceu nessa família pobre, já que ninguém conquistou muitos degraus na escalada para a fortuna. Uma prima, bem distante, teria conseguido um emprego em uma repartição pública. Todavia, João nem a conhecia, só ouvira falar. Talvez, ele pensasse, essa prima fosse apenas invenção da família para se apegar a uma esperança, mesmo que inalcançável.
– Larga esse cachorro, João! Olha a sua roupa cheia de pelo!
O menino não tinha coragem de encarar a mãe, abaixava a cabeça e a torcia levemente para encontrar os acolhedores olhos da avó, sentada ao fundo em uma cadeira com um último pedaço de pão dançando na boca vazia de dentes. A velha, com um leve gesto da sua face enrugada, levava aconchego ao coração do menino.
João ia para a escola logo cedo, voltava com a barriga roncando na hora do almoço. Nem isso o impedia de gastar alguns minutos no quintal com o Popoco, o cachorro da família. Esse tempo o distraía tanto, que nem mais se lembrava da fome que sentiu durante a última aula.
– Larga esse cachorro, João! Vai lavar as mãos pra comer!
Ele obedecia, mas não antes de segurar, com suas mãos encardidas, a cabeça do Popoco e lhe dizer: “Depois a gente brinca mais”.
O tempo passou depressa, o Popoco, já praticamente sem dentes como a avó, ainda esperava pelo João voltar para casa. Os dois passavam algum tempo juntos, mas não tanto como nos idos de criança. As mãos do João, agora grandes, continuavam a segurar a cabeça do Popoco: “Depois a gente brinca mais”.
A avó e o Popoco não tardaram para deixarem aquela família. Isso aconteceu praticamente na mesma época. O João, de uma só vez, havia perdido o seu companheiro de travessuras de longa data e aqueles olhos que sempre apaziguaram as angústias do seu coração.
João conheceu Aurora, que trabalhava praticamente ao seu lado. Os dois saíram algumas vezes e, poucos meses após, já estavam morando juntos. A moça ficou grávida da Maria, que nasceu logo no início de março. Não tardou, a menina já corria pelo quintal, o mesmo quintal em que, certa época, o Popoco e o João também se divertiram.
Foi num fim de tarde de uma sexta-feira em que aquela bolinha de pelos chegou nos braços do João. Maria correu para ver o que era aquela coisa que se mexia nas mãos do pai. A menina e o cachorrinho criaram uma conexão logo de cara. Passaram a brincar todos os dias no quintal.
– Larga esse cachorro, Maria! Vai lavar as mãos pra comer! – dizia a mãe.
A menina buscava os olhos do pai, que lhe sorria. Ele sabia, como a sua avó um dia lhe contou com o seu olhar: Há dois tipos de pessoas no mundo: as infelizes e aquelas que têm pelos na roupa.