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Ética imoral

Período bosolítico mistura o público e o privado em offshores

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Reprodução das Redes Sociais

As recentes imagens de dezenas de pessoas catando ossos e fiapos de carne em um caminhão no Rio de Janeiro correu o Brasil, espantou o mundo e envergonhou as pessoas de bem. Entretanto, a prova de que vivemos no período bosolítico parece não ter incomodado tampouco preocupado o governo ou parte dele. Paralelamente à descoberta de que estamos na era do povo lascado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, mantém uma offshore em paraísos fiscais, nos quais detém sob controle direto uma bagatela estimada em R$ 51 milhões. Nada de ilegal. Afinal, o dinheiro é privado e pode ser usado como ele bem entender. Ocorre que Guedes está servidor público, consequentemente regido pelo Código de Conduta da Alta Administração Federal, cujo artigo 5º proíbe funcionários do alto escalão de manter aplicações passíveis de ser afetadas por políticas governamentais.

Ou seja, como titular da pasta financeira, Guedes é o único responsável pelas decisões capazes de alavancar seus próprios investimentos. Revelada por um consórcio internacional de jornalistas investigativos (616 profissionais de 117 países), a denúncia sacudiu o cenário político nacional e internacional no último fim de semana. No Brasil, provavelmente vai gerar uma nova CPI contra o governo Bolsonaro, pois, além de Guedes, também envolve outro predador, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Considerando que, depois de beber, cada um dá seu parecer, no português do Beco da Sardinha, no centro do Rio, da Rua Augusta, em São Paulo, ou do Bar dos Cunhados, em Brasília, a oportuna “aplicação” é a maior prova da raposa esfomeada e do coiote nervoso no galinheiro abarrotado de penosas prontas para o abate. Melhor dizendo, o olho do dono ajudou a engordar o rebanho.

A analogia com o caso específico não poderia ser outra: “negociata é um bom negócio para o qual não fomos convidados”. Como disse, nada de ilegal, mas tão imoral como os algarismos inflacionários falsificados que os donos do cofre nacional querem impor aos contribuintes. Segundo eles, de lá para cá e de cá para lá está tudo sob controle. A inflação é uma invenção dos comunistas. Só para ilustrar, gasolina a quase R$ 7, o quilo da carne bovina com valores bem próximos aos da onça de ouro e a alta diária do dólar são fatos. As citadas imagens também não são mentirosas. Infelizmente, elas comprovam que o país está acéfalo e o povo ao Deus dará. Quanto a Guedes e Campos, o acaso não existe. Tudo na natureza obedece a uma lei de causa e efeito. Por isso, a vida é um fenômeno exato, matemático, inexorável. O tempo é igual avião. Passa voando.

Lembro de impérios como a Mesbla, Mappin, Casa Masson, Disbrave, Sears e os bancos Safra, Bamerindus e Boavista. Todos ruíram como castelos de areia. Os deuses bolsonaristas da economia de todos os brasileiros certamente um dia também serão alcançados pela sentença bíblica. E não importa que, quando encontrados, estejam dormindo o sono dos justos em confortáveis colchões de molas e forrados por dólares de diferentes épocas e valores. Perdão aos meus fiéis seis ou sete leitores, mas quase me esqueço de aportuguesar o termo offshore. É o nome comum dado às empresas e contas bancárias abertas em territórios onde há menor tributação para fins lícitos. Não defini antes por razões óbvias.

Os excelsos citados não parecem mortais como a maioria esmagadora do povo. Se fossem, os negócios da China seriam propostos para todos e não apenas para eles. Apesar de declarada à Receita Federal e ao Comitê de Ética Pública, a atitude de Guedes e Campos – ambos com responsabilidades claras sobre os valores do dólar – é considerada antiética por deputados e senadores. É a famosa situação de conflito de interesses. Por isso, eles serão ouvidos em comissões técnicas das duas casas do Congresso, nas quais tentarão dar explicações convincentes sobre suas movimentações financeiras dolarizadas no exterior, ainda que, como autoridades monetárias, não tenham agido em causa própria.

A similaridade do desrespeito seria a descoberta de que o presidente da Petrobras autoriza aumentos diários para os combustíveis com o objetivo de hidratar sua receita como dono de postos de gasolina. Não é o caso, mas é aquela velha história da mulher de César, Pompeia, a quem não bastava ser honesta. Ela tinha de parecer honesta. Sobre a preocupação de Guedes com os demais brasileiros, vale lembrar que ele é o mesmo representante do governo que, em fevereiro do ano passado, defendeu a alta do dólar como forma de evitar o turismo de empregadas domésticas à Disney.

Quer dizer, além de preconceituoso, Paulo Guedes acha normal confundir o público com o privado. Ruído ou estrondo, o fato é que na quarta, 6, o dólar passou de R$ 5,50, “inchando” mais um pouco a carteira do ministro. Para nós, mortais, é fundamental aproveitar as oportunidades da crise. Longe dos deuses do dinheiro, temos de rebolar para economizar. Por exemplo, nesse período de fim de ano talvez tenhamos de mentir, informando às crianças que Papai Noel não sobreviveu à pandemia. Em resumo, em época de crise uns ganham fortunas com offshore, outros passam fome e choram acordados e choram em off, sozinhos. Afinal, como escreveu um famoso e bom forrozeiro da cidade de Monteiro, na Paraíba, “…barriga seca não dá sono”. É o diário do mundo.

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