A um mês da sua realização, a eleição para a Prefeitura do Recife transborda os limites do Palácio do Capibaribe para desaguar no quintal do Palácio do Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco, objetivo principal de dois dos sete atores envolvidos no pleito de 6 de outubro.
Esses dois candidatos – João Campos (PSB) e Daniel Coelho (PSD) – representam famílias historicamente presentes na política pernambucana com o hábito de transferir o poder local de pai para filho, desde a segunda metade do século passado, como o antigo conhaque Dreher.
Assim como o uso do cachimbo faz a boca torta, as capitanias hereditárias do Brasil colônia acabaram se perpetuando em Pernambuco de tal forma que hoje é lugar comum no Estado a transferência do poder entre membros da mesma família, de geração em geração, seja na esfera municipal ou estadual.
Dos municípios mais importantes e populosos, como Petrolina, no sertão, Caruaru, no agreste, Jaboatão dos Guararapes, Olinda e Recife, na região metropolitana, costumam brotar os “donos” do Estado.
No dizer da ministra Zélia Cardoso de Melo, a poderosa dama da economia brasileira no governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), ele mesmo fruto da oligarquia do vizinho Estado de Alagoas, em Pernambuco “o povo é apenas um detalhe”.
Dos sete candidatos registrados à Prefeitura do Recife, apenas dois têm confronto direto – o atual prefeito João Campos (PSB) e o ex-deputado Daniel Coelho (PSD).
Segundo as pesquisas de opinião, João Campos pode continuar no cargo a partir de janeiro de 2025, mas deve ficar no comando da Prefeitura apenas por mais dois anos, quando precisará se desincompatibilizar para disputar o governo do Estado no pleito de 2026.
Bisneto de Miguel Arraes, que governou Pernambuco por três vezes, e filho de Eduardo Campos, neto de Arraes, governador por duas vezes e morto em acidente aéreo na campanha presidencial de 2014, João Campos, primogênito de Eduardo, foi o escolhido, ao atingir a maioridade, para tomar o lugar dos antigos prepostos que a família usou para se manter no poder nas últimas duas décadas.
Ele ingressou no serviço público em 2016 como chefe de gabinete do então governador Paulo Câmara, o primeiro preposto da família; elegeu-se deputado federal dois anos mais tarde até que em 2020 foi eleito para a Prefeitura do Recife para substituir o segundo preposto da família, o ex-prefeito Geraldo Júlio.
Com a ascensão de João Campos, tanto Paulo Câmara quanto Geraldo Júlio não concorreram mais a cargos públicos, deixando o caminho livre para o atual prefeito do Recife. Sua reeleição o credenciará para o confronto com a atual governadora Raquel Lyra, filha e neta de ex-governadores e sobrinha de Fernando Lyra, deputado federal por diversas legislaturas e ex-ministro da Justiça de José Sarney no primeiro governo civil (1985-1990) após o fim da ditadura (1964-1985).
Ex-prefeita de Caruaru, Raquel Lyra é atualmente a única representante da família em cargo público. Foi por isso que ela foi buscar seu ex-secretário de Turismo, o ex-deputado federal Daniel Coelho, para ser seu candidato à Prefeitura do Recife. O intuito é fazer de Daniel Coelho o seu contraponto ao prefeito João Campos.
De origem tucana, Daniel Coelho veste como uma luva a posição de preposto da governadora do PSDB. Ele faz uma campanha recheada de críticas severas à administração de João Campos numa tentativa de reduzir no que for possível a avalanche de votos que as pesquisas indicam para o atual prefeito e assim evitar que ele chegue para disputar o governo do Estado não tão forte como busca a reeleição.
Em 2022 Raquel Lyra venceu a eleição no segundo turno sobre a candidata do presidente Lula, Marília Arraes, com 53% dos votos, depois de despachar no primeiro turno Danilo Cabral (PSB), candidato e preposto da família Campos, e Anderson Ferreira (PL), apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Um fator emocional – a morte súbita do marido, no dia da eleição – pode ter contribuído para a sua vitória, assim como a morte de Eduardo Campos garantiu à família o poder no Estado até a eleição de Raquel Lyra.
Em 2026, com Raquel de um lado e João de outro, as duas famílias voltarão a se enfrentar, provavelmente sem nenhum componente emocional. Mas o resultado, já se sabe desde já, haverá apenas – como uma troca de guarda -, mais uma troca de família para governar Pernambuco, onde o povo continuará sendo apenas um detalhe.