Escondidos há pelos menos 12 mil anos sob a densa vegetação amazônica, vestígios dos povos originários se revelam aos poucos por meio dos conhecimentos indígenas e quilombolas, do trabalho de arqueólogos e da contribuição da tecnologia light detection and ranging (Lidar). O sensor remoto é colocado em pequenos aviões, que sobrevoam a floresta e emitem lasers para mapear sítios antigos.
É dessa forma que atuam os pesquisadores do projeto Amazônia Revelada: Mapeando Legados Culturais. Antes do Lidar, muitas descobertas arqueológicas foram feitas em áreas com movimentação de solo e transformação da paisagem. Caso dos geoglifos encontrados no Acre. Com o novo uso da tecnologia, é possível mapear áreas da floresta sem nenhuma intervenção física, como desmatamento ou escavação.
Nesse sentido, o projeto também tem como missão “adicionar uma nova camada de proteção para a Amazônia e ajudar a conter a destruição da floresta”. Para isso, pesquisadores locais, pertencentes aos povos tradicionais, têm trabalhado em conjunto no levantamento de elementos materiais ou inscritos na paisagem que remetem a sítios arqueológicos ou lugares significativos para as comunidades.
A coordenação é do arqueólogo Eduardo Neves, professor e diretor do Museu de Arqueologia da Universidade de São Paulo (USP), que trabalha há mais de 30 anos na Amazônia.
“Quando eu fui para a escola na década de 70, aprendi que a cidade mais antiga do Brasil era São Vicente, fundada pelo português Martim Afonso de Souza em 1532. No entanto, quem anda pelo interior da Amazônia e, particularmente pela cidade de Santarém, vai perceber que existe um solo muito escuro que a gente conhece como terra preta. Ele está cheio de fragmentos de cerâmicas produzidas por povos que viviam ali há pelo menos pelo menos 800 anos”, disse Neves, no TEDxAmazônia 2024, ocorrido em Manaus.
“A gente sabe que a presença indígena começa há pelo menos 13 mil anos. Em 1492, quando Cristóvão Colombo chegou às Antilhas, havia entre 8 e 10 milhões de indígenas em toda a região amazônica. A Amazônia que a gente conhece hoje em dia só existe por causa da contribuição dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos que formaram essa região”, complementou.
O arqueólogo destacou que o discurso colonial de desprezo às origens da Amazônia foi usado politicamente em diferentes momentos da história. E contribuiu para legitimar projetos de desmatamento e ocupação descontrolada da região.
“Eu me lembro de um slogan repetido pelo governo militar de que a Amazônia era uma terra sem gente, para gente sem terra. Isso fez com que camponeses que viviam em situações de conflito fundiário em diferentes lugares do país se mudassem para locais como Pará e Rondônia, e tivesse início uma história muito violenta”, disse. “Essa imagem da Amazônia como uma região esvaziada justifica a destruição da Amazônia hoje em dia pelo desmatamento, pela mineração descontrolada e pela abertura de estradas.”
O que o projeto liderado pelo arqueólogo quer fazer é inverter essa lógica, ao tornar visíveis contribuições milenares dos povos tradicionais, valorizar e proteger sítios arqueológicos, e trazer lições do passado que permitiram manter a floresta viva, de pé.
“Queremos fazer os registros e promover uma camada adicional de proteção para essas áreas ameaçadas”, disse Eduardo Neves. “Quando a gente fala sobre arqueologia, não é só sobre o passado. Também contemplamos as manifestações atuais das culturas dos povos da floresta, que nos ensinam como eles a construíram. Se existe uma solução para o futuro da Amazônia, é continuar apostando nessa diversidade e construir uma aliança entre o conhecimento científico e o conhecimento tradicional dos povos da floresta.”