Perfil de capataz
Pesquisas eleitorais indicam volta dos que não foram
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emCom alguma ponta de surpresa, colegas jornalistas têm dado voz às críticas de integrantes da campanha de Jair Bolsonaro sobre a forma humilhante como o presidente trata seus ministros nos bastidores, inclusive os ex-todo poderosos generais Augusto Heleno e Luiz Eduardo Ramos. Como diz um auxiliar do Planalto, “é muito grito”. Faz pelo menos um par e meio de décadas que não convivo com sua excelência. Como setorista do Congresso Nacional, convivi com o deputado federal nas poucas vezes em que o via em plenário. Os encontros mais informais normalmente ocorriam nos corredores escuros das comissões permanentes da Câmara, onde ficava seu gabinete.
Felizmente, a aproximação foi muito próxima de zero. No entanto, em quase todos os abalroamentos de jornalista ávido por resposta, a recepção foi sempre recheada de soberba, descortesia e ameaças veladas. O que parecia estratégia de um parlamentar em início de carreira, hoje é a confirmação de que alguém que, desde aquela época, não tinha resposta para nada. Era – e continua sendo – muito pobre de ideias. Por isso, em quase 30 anos de mandato, jamais conseguiu dar dois passos além do escanteado e abominado grupo denominado baixo clero. Jamais mereceu mais do que isso.
Como diz um velho e bom companheiro das antigas e inesquecíveis redações de jornais, ninguém se enganou com o mito. Foi – e é – endeusado até mesmo por aqueles que dispunham de alguma inteligência. Mitificaram-no porque quiseram. Estão surpresos? Aguentem, pois certamente virão novas refregas. Afinal, quem aprendeu a manusear a palmatória nunca deixará de usar o cassetete. Faz parte do perfil de qualquer capataz. É o tal do rei que não admite perder a majestade. Esse povo que “sofre” com a gritaria deve ter alguma – ou muitas – dívidas com a divindade do Planalto. Aliás, também concordando com o antigo companheiro, ninguém chega à Presidência da República sem um mínimo de tutano.
Obviamente que ele tem. Da mesma forma que deve ter farto “conhecimento” sobre o passado e o presente dos “colaboradores”. Por isso, os têm sob “contrato” eterno. O problema é o Brasil e suas instituições, a começar pelas Forças Armadas, composta de maioria esmagadora de homens e mulheres sérios, mas ainda com algumas maçãs podres, talvez remanescentes daquelas que presidentes generais do passado precisaram de muito trabalho e força interna para controlar. Os tempos são outros, mas o modus operandi dos que operam nas sombras não mudou. A diferença talvez seja a falta de argumentos ou de equipamentos para dominar a massa.
Na conta de chegada das eleições deste ano o que realmente vai valer são os votos. E esses devem ser contados como formiguinhas entrando e saindo do formigueiro. Usar a orla do Rio de Janeiro ou as largas avenidas de Brasília para desfiles de tanques, shows pirotécnicos de aviões e evolução de militares desengajados com a realidade não convencem mais os brasileiros sedentos por liberdade, emprego e renda. Em outras palavras, faz algumas décadas espetáculos deixaram de ser sinônimos de votos. Que vença o melhor. E que o melhor seja alguém de bem e verdadeiramente preocupado em minimizar os solavancos do país. Baseado nas pesquisas (são quase 20 pontos percentuais de diferença), a opção mais celebrada é a volta dos que não foram. E daí? Que venham. Vivemos em uma democracia.
Não importa que aprovemos o retorno do suposto pior dos passageiros da nave Palácio do Planalto. Também não importa se ele saiu antes do tempo de onde estava cumprindo um tal acerto de contas. Se vencer, que volte modificado e disposto a jamais fazer o que jura nunca ter feito. Todo tempo é tempo de mostrar arrependimento. Um dia, quem sabe, o mito esqueça que não é Deus e consiga virar anjo. Caso chegue esse dia, com algum aprendizado, sem armas, com menos ódio e mais respeito ao próximo, talvez ele vença o despreparo e se lance na disputa por um novo mandato. Por enquanto, é só um aprendiz de feiticeiro. Aprenda e volte. Até lá, longa vida para o vencedor e que nossa alegria seja eterna enquanto dure.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978