Se 70% dos brasileiros afirmam esperar mudanças em relação ao próximo presidente, uma série de pesquisas realizada pelo Ibope indica que uma renovação expressiva dificilmente ocorrerá na Câmara dos Deputados. Dos 90 candidatos a deputado federal mais lembrados pelos eleitores em 18 unidades da Federação, apenas três são estreantes nas urnas e não vêm de famílias de políticos. Todos os outros 87 já têm um passado na política, seja por experiência própria ou pelo sobrenome.
Os dados foram calculados com base nos resultados das pesquisas da série Deputados do Ibope. O levantamento pode ser contratado pelos próprios candidatos que desejam saber os cinco mais citados espontaneamente pelos eleitores nos maiores Estados, além da sua própria posição no ranking geral da pesquisa.
A conclusão é de que o discurso da renovação na política, bandeira que ganhou força após a onda de manifestações iniciada em junho do ano passado e, na corrida à Presidência da República se personalizou na liderança e na candidatura da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (PSB) entre os que defendem mais mudanças do que continuidade no País, não deverá se manifestar com tanta força na nova composição do Legislativo federal.
Dos 90 candidatos a deputado federal preferidos dos eleitores até agora, 83 já são políticos e foram eleitos para cargos eletivos em pelo menos uma ocasião anterior. A maioria – 51 nomes – já está na Câmara dos Deputados, e outros quatro estiveram em legislaturas passadas. Além deles, 17 são deputados estaduais atualmente, que tentam pela primeira vez chegar à esfera federal concorrendo ao cargo.
O restante dos concorrentes já teve mandato de vereador em alguma cidade importante do seu Estado ou ocupou algum cargo executivo, como é o caso do ex-prefeito de Belém Edmilson Rodrigues, do PSOL, ou do vice-governador de Mato Grosso Chico Daltro, do PSD.
Dos sete estreantes nas urnas neste ano, quatro podem atribuir ao sobrenome o motivo para estar na lista dos preferidos do eleitorado. Dulce Miranda, do PMDB, é ex-primeira-dama do Tocantins, casada com Marcelo Miranda, ex-governador e candidato ao cargo este ano. Já o alagoano Pedro Vilela, candidato do PSDB, carrega o sobrenome do ex-senador Teotônio Vilela, seu avô, e do governador Teotônio Vilela Filho, seu tio.
Também em Alagoas concorre este ano pelo PRP Nivaldo Albuquerque. Nivaldo é filho do deputado estadual e ex-presidente da Assembleia Legislativa Antônio Albuquerque. Vicentinho Júnior, candidato do PSB, só se diferencia do trio porque não precisa usar o sobrenome do pai, o senador Vicentinho Alves.
Restam os três estreantes que não são parentes de políticos, embora dois já tenham ocupado cargos de confiança em gestões municipais: Tiago Andrino, do PP, foi secretário em Palmas, capital do Tocantins, e Felipe Carreras, do PSB, no Recife. O candidato Éder Mauro (PSD-PA) é um delegado com fama de linha-dura.
Quando se leva em conta todos os 90 candidatos a deputado federal mais lembrados pelo eleitorado na série de pesquisas do Ibope, a taxa dos que possuem algum parente na política é considerada alta – chega a 44%.
O Rio Grande do Norte chama a atenção nesse quesito: todos os cinco candidatos a deputado federal mais lembrados vêm de famílias tradicionais da política no Estado.
A lista dos concorrentes nas eleições de outubro contém todos os sobrenomes locais mais importantes – Walter Alves, do PMDB, filho do senador Garibaldi Alves Filho; Fábio Faria, do PSD, filho do vice-governador e candidato a governador Robinson Faria; Felipe Maia, do DEM, filho do senador José Agripino Maia; e Fafá Rosado, do PMDB, e Sandra Rosado, do PSB – as duas candidatas são primas, vindas da família política mais importante e tradicional de Mossoró.
A pesquisadora da organização não governamental Transparência Brasil Natália Paiva afirma que a taxa de parentesco entre os candidatos este ano é a mesma que a entidade já havia apurado para a atual legislatura da Câmara dos Deputados.
“O discurso pela mudança é bastante forte, mas vários políticos tentam se apropriar disso para lançar parentes mais novos, que tentam se eleger com a bandeira da renovação”, diz a pesquisadora. De acordo com Natália, a manutenção de clãs políticos no Congresso Nacional dificulta a realização de reformas abrangentes na legislação. “Passando o cargo de parente para parente, cria-se uma Câmara avessa a mudanças.”
A pesquisadora afirma que é necessário realizar mais pesquisas para entender a diferença de comportamento do eleitor ao decidir seu voto para presidente e para deputado. “Há diversas diferenças. No âmbito estadual, por exemplo, é mais fácil que as mesmas figuras se repitam, o que inibe a renovação. De qualquer maneira, não se pode cobrar coerência política do eleitorado”, diz Natália.