Curta nossa página


Folhetim sem vilão

Pesquisas mudam humor dos que tinham horror ao governo “comunista”

Publicado

Autor/Imagem:
Sonja Tavares - Foto Ricardo Stuckert/ABr

Desde que o mundo é mundo, a desgraça alheia nunca é vista como algo passageiro. Faz parte do DNA do ser humano avaliar um revés eventual como o inferno na terra. Nesse caso, como diz o velho ranzinza, é caixão e vela preta, pois o protagonista, ainda vivo, vira o Diabo em figura de gente. Aí, a ordem superior é simples e rápida: afastem-se rapidamente do amaldiçoado, porque, além de incomodar, esse tipo de desgraça é contagiante. Luiz Inácio sofreu isso na veia, no coração e na alma. Sem nada disso para dar ao capetão como parte da dor e sem ter para onde fugir, Jair Messias deve sofrer do mesmo tédio em breve.

Ele sabe disso e já colocou o cadarço do embolorado coturno à disposição do xerife Xandão. É a tal da danada lei do retorno. O mundo dá voltas e chega sempre aonde a gente começa a ocupar o espaço alheio. Em síntese, aqui se faz, aqui se paga. É claro que nem sempre a desventura ou a fatalidade contagiam tanto quanto o incômodo causado pelos desventurados. Que o digam o Lula de ontem e o Bolsonaro de hoje. Entre os incomodados, a percepção é que normalmente são os mesmos. Usando os dois pontos da margem de erro para cima e para baixo, gosto de denominar esse tipo de ser humano como oportunista de ocasião.

Um dia, está cá; no outro, está lá. No entanto, nunca deixa de estar ao lado do poder. O que muda é o período e, às vezes, a forma de se incomodar. Alguns ex-petistas, bolsonaristas arrependidos, representantes do PL, do Centrão e mais especificamente o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), são os exemplos mais contemporâneos dessa assertiva. Até o momento em que havia esperança de um golpe na estrondosa e churrasqueante vitória de Lula da Silva, consequentemente da democracia, o povo que tinha se embeiçado com o líder petista se mantinha a distância. Lula e o petismo eram sinônimo de comunistas.

No linguajar da elite triste, mal-amada e preconceituosa, era (ou é) algo bem parecido com a hanseníase, uma das doenças mais antigas da humanidade e que até hoje é cercada de muita conotação negativa. Devidamente tratada, ela proporciona qualidade de vida aos pacientes e pode barrar o contágio. A hanseníase é causada por uma bactéria. Como Lula e o PT nada têm a ver com bactérias, ficou fácil para a turma da oportunidade se aproximar sem riscos. Não tenho conhecimento, mas estou bem próximo de assegurar que o atual governante recebe diariamente currículos de críticos, de “patriotas” sem rumo e sem emprego, de poderosos sem cargo, de políticos da direita sem mandato e de irmãos que, até prova em contrário, tinham o peito até aqui de mágoa contra os brasileiros que defendem a democracia e o governo “comunista”.

Lembro-me bem que foi só o caminhão de mudança encostar no Palácio da Alvorada para a turma do meu pirão primeiro começar a se esgueirar no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), onde se reuniam os membros da transição. A “lepra” definitivamente havia mudado de lugar. Não é nada, mas é o carisma do atual que o antecessor sempre fingiu desconhecer. Atualmente, o que mais impacta a fila de “novos petistas” são as recentes pesquisas sobre o governo Lula. Conforme alguns dados, Luiz Inácio venceria com folga os governadores Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG), Ratinho Junior (PR) e Ronaldo Caiado (GO) e, de quebra, engoliria a ex-coisa alguma Michelle Bolsonaro. O resultado é que o mau humor virou tapinha nas costas.

Os institutos estão na contramão daqueles que, lunaticamente, ainda acreditam na hipótese de Jair concorrer. Perdem o mesmo tempo que perderam acreditando em uma proposta de mito que não vingou nem nas marolinhas do Lago Paranoá. Em estágio de provação, muitos de nós esquecem que a mão que afaga é a mesma que apedreja. Mais uma vez sou obrigada a colocar Lula e Bolsonaro no mesmo balaio. Do Diabo em figura de gente, o presidente eleito passou a ser o irmãozinho querido de todos, inclusive de Arthur Lira, que precisará de apoio para eleger um parça para a presidência da Câmara. Enfim, assim são as criaturas. Quanto ao bolsonarismo, a conta chegou rápido. A novela presidencial tem hoje um roteiro adaptado à realidade do país. Em outras palavras, não há mais chance de inclusão de um vilão sem argumentos na reta final do folhetim.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2024 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.