Mais do que o ódio destilado via fígado de determinadas pessoas, é perder tempo para discorrer sobre as mesmas coisas. É o que vem ocorrendo no Brasil de nossos dias. Não adianta tentar procurar temas menos grotescos ou mais amenos, pois não os encontraremos. Infelizmente, o que ainda há de bom no país foi engolido pelas mazelas, gritos, ameaças e tentativas diárias de mudar o que funciona bem. Sem o que comemorar ou incluir em alguma lista patriótica de avanços, faz dois anos e meio estamos chovendo no molhado ou lutando contra o óbvio ululante, expressão figurada atribuída pelo escritor Nelson Rodrigues ao que é excessivamente óbvio e que dispensa explicações devido a sua clareza. Volto no texto para reiterar que o Brasil de hoje é a obviedade ululante, isto é, gritante, indiscutível.
Nos bons e distantes tempos de menino, era comum revidarmos um xingamento ou crítica com o célebre é quem me chama. Xingado pública e ululantemente por quem não consegue respeitar algo ou alguém além do próprio umbigo, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luiz Roberto Barroso, preferiu a educação consolidada à reação destemperada, desequilibrada e derrotista. Diante dos gritos e das ameaças bestiais e frustradas de melar o pleito presidencial de 2022, agiu como estadista. Usando sua condição de autoridade, de homem público e de comandante de uma secular e séria instituição, deu a resposta que o Brasil e os brasileiros queriam ouvir: “Eleição vai haver, eu garanto”. E não podia ser diferente, diante da bravata de que, sem o voto impresso, não haverá eleição em outubro do ano que vem. O melhor ataque é a defesa. E, no caso em análise, é a defesa da democracia.
Princípio elementar da Justiça, o ônus da prova é de quem acusa. E esse ou esses que antecipam a derrota com justificativas furadas de fraudes na urna eletrônica nunca comprovaram o que dizem. Sem provas ou indícios, pela enésima vez em dois anos e meio, o acusador-mor afirma que o sistema do TSE é passível de burlas e que, por isso, é necessário auditá-lo. Derrotado nas ruas e em todas as instâncias políticas, incluindo o partido que o elegeu, o moço mantém o argumento de sempre: há um esquema montado para derrotá-lo no ano que vem. Difícil acreditar que algum parlamentar ou autoridade brasileira perderia dez tostões de tempo para ajudar a defenestrar alguém que já nasceu morto. Por analogia, é o mesmo que empurrar bêbado ou chutar defunto de pitbull.
Ávido por mudanças já e disposto a escolher quem verdadeiramente o represente, o povo quer eleições limpas, seguras e confiáveis. Embora a meia dúzia de fanáticos pense de forma contrária, tudo isso é sinônimo de urna eletrônica sem voto impresso. E ponto final. Com todo teatro escatológico de cima para baixo, faltando pouco mais de um ano para as eleições, expressiva parcela dos cerca de 150 milhões de votantes ainda não escolheu aquele em quem depositará suas fichas. Entretanto, esse mesmo quantitativo já bateu o martelo sobre o nome que não quer nem ouvir falar. É aquele sem feitos capazes de sustentar uma candidatura presidencial e cuja única aposta é usar uma geringonça chamada voto impresso para justificar o provável fiasco nas urnas. O fato é que, se achando dono da bola, do uniforme, do campo e do apito, o menino mimado está prestes a ser barrado na pelada de rua.
A razão é simples: é considerado péssimo jogador. Não sabe dominar a direita, teme correr pela esquerda e odeia o centro. Por isso, não tem vaga. Faz birra, esperneia, pede arrego a supostos camaradas e, ao perceber a iminente “barração”, faz biquinho e ameaça chamar o pai general e os irmãos coronéis. Não adiantará o jus esperniands. Assim como na encenação de quedas e gritos de dor dos jogadores de futebol, poucos ou nenhum brasileiro acredita mais nos xingamentos e ameaças de golpe. É a velha história de que cão que ladra não morde. Chamar uma autoridade de idiota apenas porque ela defende a lisura de um sistema e pensa no Brasil com seriedade é o pior dos absurdos. Para concluir, vale ressaltar que o conceito básico de democracia é tão simplório como o resultado de uma eleição. O primeiro tem o povo como soberano de qualquer governo. Quanto a um pleito eleitoral, é o eleitor, também conhecido como povão, quem escolhe seu governante.
E não adianta ameaças ou propostas de virada de mesa depois do jogo jogado. Na contagem final, vence aquele que obtiver a preferência do eleitorado, ou seja, a maioria dos votos apurados pelo sistema eletrônico da Justiça Eleitoral, o mesmo contra o qual já levantaram todo tipo de suspeita, mas até agora, passados 25 anos de sua implantação, nada foi confirmado. Pelo contrário. Com o passar do tempo, os mecanismos de segurança foram apurados e hoje nem mesmo exércitos de hackers conseguem chamar a urna eletrônica de sua. Nem o futebol canarinho é mais. A Copa América inventada às pressas para cacifar um governo claudicante foi para a vizinha Argentina. Restou uma nova tese sensacionalista. O Brasil perdeu em campo, mas o presidente da República promete recorrer. O argumento é de que só aceitamos gol auditável. Parece brincadeira. E é. No país do faz de conta até o futebol virou piada.