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Pessoas curiosas acumulam bagagens cheias de histórias

Foto/Reprodução/Pixabay

Renato Essenfelder

Alguém certa vez disse, eu acho que foi Hemingway, que os escritores, para serem interessantes, precisam levar vidas interessantes. Ou, trocando em miúdos: para poder contar uma boa história, você precisa ter vivenciado boas histórias.

Há uma segunda “máxima literária” complementar. Ela recomenda: escreva sobre aquilo que você conhece. Provavelmente é por isso que a maioria dos romances brasileiros tem como protagonista um professor homem branco de meia idade. A maioria dos escritores brasileiros, ao menos dos que frequentam o noticiário, se encaixa justamente nessa categoria. Logo, escrevem sobre o que conhecem.

Talvez seja pelo casamento dessas duas perspectivas que eu ache meio tediosa boa parte da literatura contemporânea que cato, lá e cá, em sites, orelhas de livros e revistas do circuito cult. Pessoas com vidas desinteressantes escrevendo sobre elas mesmas, em toda a sua desinteressância.

É claro que essa tese tem seus furos, e não vamos demorar a encontrar exemplos de burocratas com imensa verve. Gente que passa a metade do dia no escritório e a outra metade em Pasárgada. Gente com uma vida interior riquíssima, capaz de criar, nos labirintos da mente, mundos fantásticos. São exceções, contudo. Em geral, gente aborrecida escreve sobre seus aborrecimentos de forma aborrecida.

Não estou me excluindo dessa turma nem me eximindo das minhas culpas. Volta e meia o fantasma da desinteressância me assombra. Será que é suficiente, a maneira como estou levando a minha vida, para causar um mínimo de comoção, para me sentir realmente vivo? Frequentemente, a resposta é não. Então é preciso um ajuste de percurso.

Movido por essa ideia é que troquei Curitiba por São Paulo, nos idos dos anos 2000. Como escritor aspirante, achava que a maior cidade do país me oferecia mais oportunidades de vida intensa e fascinante do que a gélida capital paranaense. Estava meio certo.

Meio errado também, pois, depois de uma década em São Paulo, descobri que a cidade grande tem seus paradoxos. Certamente oferece mais oportunidades de interesse, tem mais gentes, mais lugares, mais tudo. No entanto, o custo de vida, as distâncias, as ganâncias materiais conspiram para um adiamento permanente do gozo do novo.

Você sabe que a emoção existe, está ao alcance de pés e mãos, mas em geral apenas olha, suspiroso, para o horizonte de possibilidades. São muitas horas no trânsito, muito trabalho que se acumula, muitos colegas a quem é preciso dar uma atenção protocolar. Logo, percebe-se enredado na rotina: trabalho, casa, trabalho, shopping para espairecer. Rebobine. Trabalho, casa, cinema, desta vez um restaurante. Reuniões. Rebobine.

Talvez na cidade pequena, muito ao contrário do que me parecia, as possibilidades de aventura, digo, as possibilidades concretizáveis e concretizadas, sejam afinal maiores. Pegar a estrada no meio da madrugada, roubar goiaba do vizinho, plantar a própria comida, criar animais, de vez em quando viajar para a capital e aproveitar intensamente tudo aquilo que os locais só conhecem pelos guias de jornal. Viver mais por conta própria e menos por conta de um relógio, uma cifra, uma etiqueta que vem de fora.

As pessoas interessantes estão raras. Diante das telas, com cãibras nos dedos e com os olhos secos, riem sozinhas por horas e horas e horas. Observo, um tanto entediado. Mas qual foi a última vez em que eu fiz algo interessante?

E qual foi a última vez em que você fez algo pela primeira vez?

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